Vera abriu a janela do pequeno apartamento onde morava. Um desgosto tremendo subiu-lhe espinha acima. Lutara tanto para conseguir a sua tão sonhada casa com vistas para o centro e agora isso. Um novo prédio enfeiava a paisagem com suas colunas de tijolos nus e um barulho infernal com o vai e vem de trabalhadores e caminhões despejando materiais a todo momento. O desgosto era tamanho que mantinha todo o tempo a janela e as cortinas fechadas.
Nem tinha mais vontade de convidar suas amigas para passarem uma tarde agradável em sua pequena varanda. A churrasqueira elétrica que a muito custo foi adquirida, estava cheia de pó e fuligem da obra.
— Que inferno de vida! Se eu soubesse que seria assim não teria comprado essa droga de apartamento. Ela disse fechando a cortina e sentando-se no sofá.
— O que é isso querida, pense no lado bom. Em breve este lugar vai valorizar e conseguiremos pelo menos o dobro do valor que pagamos.
— E você acha que eu vou ter paciência para esperar até que isso aconteça?
— O que acho é que não podemos tomar nenhuma decisão de cabeça quente. Marcos disse, sentando-se no sofá ao lado de sua esposa.
— E eu vou ficar vivendo nesse inferno até quando? Esse maldito prédio que estão construindo estragou toda a vista daqui de casa.
— Mas, nós mal acabamos de pagar o apartamento e você já quer mudar?
— Claro! Tenho certeza que acharemos coisa melhor.
— Não sei não. Vender um imóvel às pressas, nunca é um bom negócio. Acho mais sensato esperarmos um pouco até valorizar mais.
— Eu não passo nem mais um mês neste lugar, ouviu? Ou vendemos essa porcaria, ou eu volto para a casa de minha mãe.
Marcos sentiu crescer uma raiva dentro de si. Ela infernizara-o até que ele acabou cedendo e concordando em comprar esse apartamento. A princípio não queria, mas agora tomou gosto pelo lugar. Já estavam morando ali há uns três anos. Fez muitas amizades. Não seria tão fácil deixar tudo de lado.
Lembrou-se do esforço que fizera para levantar o dinheiro da entrada. Vendera o seu tão estimado carro, um Maverick com tudo original, peça de colecionador. Pegara empréstimo no banco, com o irmão e até apelou para a vó. Tudo isso para quê? Para no fim das contas dar nisso. Fervia de raiva.Mais de si mesmo por ser tão molenga do que por ela ser tão insistente.
— Não vou vender nada! Por fim ele disse levantando-se e fazendo menção de sair da sala
—Pois então, vou-me embora.
— Pois bem, se sair por essa porta, cuide em não se arrepender depois, porque eu não aceito mais.
Ele abriu a porta para sair de casa.
— Então vai ser assim? Vou-me embora. Ela disse já se levantando.
— Você vai insistir nisso? Então você que sabe. Ele saiu e foi para a pracinha do condomínio.
Ficou lá um bom tempo até que a raiva passasse. Quando voltou, encontrou as portas do guarda-roupa abertas. Ele olhou ao redor e notou que as coisas dela não estavam mais ali.
Um ano se passou. O prédio ficou pronto. Marcos vendeu o apartamento pelo triplo do valor. Comprou de volta seu Maverick. Mudou para uma casa mais espaçosa e com um belo quintal em um bairro bem arborizado.
Quando Vera ficou sabendo pelas vizinhas o que havia acontecido, depois de encontrá-las no centro da cidade, bateu-lhe um tremendo arrependimento. Para piorar, ainda era doida por ele. Mas cadê a coragem para voltar atrás?
Depois que recebeu o dinheiro do apartamento e antes de recomprar seu carro de estimação, Marcos repartiu o dinheiro em partes iguais e depositou a parte que cabia a Vera. Agora podia viver em paz, pensou.
Colocou o carrão na garagem, entrou em casa, abriu a geladeira, pegou uma lata de refrigerante, sentou-se na varanda, estirou os pés.
— Ah! Como a vida é boa!
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