quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Memórias capítulo V

REENCONTRO








Em um dia em que o movimento estava muito grande, por conta de um feriado prolongado, deu uma pane no sistema de gerenciamento do Resort. Esse sistema já estava um tanto ultrapassado e carecia de uma atualização. Dona Lourdes procurou o cartão de visitas da empresa que havia desenvolvido o sistema, mas não o encontrou. Ligou no número que aparecia na aba de suporte, mas também não conseguiu contato. O jeito foi procurar uma nova empresa que pudesse resolver o problema. 

Fez alguns orçamentos, mas não gostou de nenhuma das opções ou por causa do preço, ou pelo produto oferecido não atender ao que ela precisava. Depois de várias ligações, encontrou uma empresa da qual gostou da proposta e do preço. Agendou uma visita com o especialista da empresa para que ele fizesse uma avaliação do seu sistema. A empresa escolhida não era tão grande, mas demonstrou ter exatamente aquilo que o Resort e a cafeteria precisavam.

No dia e horário marcados, lá estava o representante técnico da empresa de softwares para fazer o estudo das necessidades do cliente e adequar o seu sistema de gestão às  suas características específicas.

— Boa tarde Dona Lourdes, Sr Lourenço, meu nome é Augusto e serei o responsável pela implantação do novo sistema de gerenciamento. A senhora disse que queria um sistema que fosse integrado também à cafeteria, certo?

— Exato! Eu queria algo que pudesse ficar centralizado em um único ponto, assim eu poderia gerenciar meus dois negócios de um mesmo lugar. Também seria muito importante que o sistema tivesse um controle de estoque personalizado.

O Sr Lourenço explicou toda a rotina do Resort a Augusto enquanto lhe mostrava os equipamentos em seu CPD. Augusto  tinha lá pelos seus 36 anos, alto, bem apessoado, porte atlético, cabelos castanhos, olhos de mesma cor, sobrancelhas retas o que lhe dava um ar de bastante seriedade, barba bem aparada em máquina 1, natural e uniforme, nariz proporcional, lábios finos e uma covinha no queixo. Era sócio fundador da empresa de desenvolvimento de softwares com seu amigo de infância Marcos. Andava um tanto desanimado, pois os negócios não iam tão bem quanto esperava. Até tinha uma razoável cartela de clientes, mas certos problemas de gestão sempre os deixavam no vermelho. Por esse motivo, tiveram que reduzir custos e eles mesmos passaram a fazer os atendimentos. 

No que diz respeito ao desenvolvimento de sistemas, Augusto era um gênio, poderia ter trabalhado em qualquer empresa do ramo que quisesse. Sempre tem recebido inúmeros convites para gerenciar alguma grande equipe de desenvolvedores, mas o sonho de ter seu próprio negócio o impede de aceitar trabalhar para outros como empregado. 

Depois de conversar com o Sr Lourenço e a Dona Lourdes, traçou a topologia de rede do Resort. Fez várias anotações que lhe ajudariam a desenvolver um sistema totalmente personalizado, de quebra, ainda colocou o antigo sistema para funcionar até que o pudesse substituir completamente.

Pediu à Dona Lourdes para ver o sistema que era utilizado na cafeteria, pois assim teria uma ideia mais clara do que ela precisava. Foi conduzido por ela até o local. Augusto achou o lugar muito bonito. Quando viu Alice no caixa, ficou olhando-a por alguns instantes, sentiu alguém bater-lhe no ombro, quando se virou era um senhor já de idade.

— É, meu jovem, eu te entendo. Alice tem o poder de hipnotizar a todos que a veem. Só não pode deixar isso muito na cara, e deu uma risada, saindo em seguida. 

Augusto ficou sem entender o que ele quis dizer com aquilo, pois pensava em outra coisa. Dona Lourdes chamou Alice e apresentou-a ao rapaz que estava ali para verificar o sistema.

— Alice, este é o Augusto. Ele é o responsável por substituir o sistema de gestão tanto do Resort quanto da cafeteria. Ele ficará um pouco aqui para ver como é a rotina de atendimento e assim poderá ter uma ideia melhor sobre como personalizá-lo.

— Prazer em conhecê-lo.

— O prazer é todo meu. 

— Bem vou deixá-lo aos seus cuidados, pois tenho que atender uns fornecedores. Quando terminar, Augusto, peça que Alice me chame, ok?

— Pode deixar, ele disse apertando a mão de Dona Lourdes.

Enquanto Augusto falava com Dona Lourdes, Alice teve de atender ao caixa. Depois que Dona Lourdes saiu, ele pôde prestar um pouco mais de atenção nela, mas dessa vez tomando cuidado para não ser pego no flagra por alguém. Como era de tarde, o movimento na cafeteria estava mais tranquilo, sendo assim, teve tempo para verificar o sistema de gestão que estavam usando ali. Conversou com Alice sobre as necessidades que eles tinham e o que gostariam que o sistema tivesse, anotou as informações e fez a topologia de rede do local.

Enquanto conversavam, algo nela chamava sua atenção. Parecia que a conhecia de algum lugar, mas receava perguntar e ser mal interpretado. No entanto, não ficaria sossegado até que aquela dúvida fosse sanada.

— Posso te fazer uma pergunta pessoal? Augusto disse. Sei que você deve ouvir isso o tempo todo, mas tenho a impressão de já a ter conhecido de algum lugar. Claro, se não quiser responder, sinta-se à vontade.

— Tudo bem, pode perguntar, ela disse com uma expressão séria por suspeitar que viria uma cantada. Era sempre assim, toda vez que um homem travava conversa com ela, acabava cantando-a no final.

— Por um acaso, você já morou em Aishe e já frequentou a comunidade de jovens de lá?

— Sim, já morei em Aishe, sim. E quando eu era adolescente eu frequentava um grupo de jovens que tinha lá. Por quê?

— Porque é de lá que eu acho que te conheço. Desde a primeira vez que te vi, achei que te conhecia e agora acabo de confirmar isso.

— Eu não me lembro de você. Você também frequentou o grupo de jovens?

— Sim.

Nesse momento uns clientes chegaram e eles tiveram que interromper a conversa. Augusto ficou observando a dinâmica de funcionamento do estabelecimento e fazendo anotações em seu tablet. De posse das informações que precisava, avisou a Alice que seu trabalho naquele momento estava concluído e solicitou que ela avisasse Dona Lourdes. Enquanto a aguardava para conversarem sobre o projeto do novo sistema de gestão, Augusto voltou a tocar no assunto de que estava falando anteriormente com Alice, mas mais clientes chegaram e nem puderam recomeçar a conversa. Por fim, Dona Lourdes chegou e foram se sentar à uma mesa para discutirem o  passo a passo da implementação do novo sistema.

— Alice, por favor, pode nos trazer duas xícaras de café? 

— É pra já!

— Então ficamos assim, Dona Lourdes, na semana que vem eu retornarei para começar a implantação e a migração dos dados do sistema. É o tempo que eu preciso para personalizar o nosso sistema de gestão para que ele atenda às demandas de sua empresa. 

— Tá ótimo, aguardarei sua ligação. 

Augusto despediu-se e saiu pensando que se aquela Alice fosse quem ele pensava ser, realmente o mundo era muito pequeno. Por contrapartida, Alice ficou pensando de onde possivelmente havia conhecido aquele rapaz. Seria de Aishe mesmo? Não se recordava bem. Deixou de pensar nisso, pois mais clientes chegaram e ela precisou atendê-los.

— Por favor, embrulhe três salgados desse aqui para viagem e também quero dois cafés puros, também para viagem.

— Açúcar ou adoçante?

— Adoçante.

— Aqui está o seu troco, tenha uma boa tarde.

— O que vai querer hoje, Dona Margarida?

— O de sempre.

— Um momento, por favor.

— Aqui está o seu comprovante. Tenha uma boa tarde.

Uma semana depois, Augusto começou a migração do sistema. Como o serviço demoraria uns três dias, resolveu ficar hospedado no próprio Resort. No primeiro dia, ele fez “backup” dos dois bancos de dados, tanto do Resort quanto da cafeteria. No dia seguinte começaria a instalação do novo sistema. 

Terminou o serviço previsto para o dia às 20h, estava faminto e foi até o buffet para jantar. Enquanto pegava sua comida, encontrou-se com Alice que também viera jantar. Surgia aí a chance de poder falar-lhe sem interrupções. No entanto, não quis forçar a barra, apenas cumprimentou-a e foi sentar-se à beira da piscina, pois estava uma noite muito agradável. Alice quando o viu, lembrou-se da conversa que tiveram, retribuiu o cumprimento, pegou seu prato e ia sentar-se ao lado de Dona Lourdes que já estava jantando, mas como estava curiosa para saber mais detalhes sobre como eles haviam se conhecido, resolveu sentar-se à mesma mesa que ele.

— Boa noite, importa-se se eu me sentar aqui.

— De forma alguma, fique à vontade.

— Depois daquele dia que conversamos, fiquei realmente intrigada. De onde nós nos conhecemos? Por acaso você também morou em Aishe?

— Vejo que você não se lembra de mim mesmo, disse isso com um certo ar de tristeza.

— Fiquei pensando nisso, mas realmente não consigo lembrar, ela disse colocando a mão no queixo.

— Então, você realmente morou em Aishe e frequentou o grupo de jovens da comunidade? Ele por fim perguntou.

— Quando eu era adolescente, fiz parte de um grupo de jovens em Aishe. 

— Talvez você não se lembre do meu nome, mas certamente se lembrará do meu apelido daquela época.

— Qual era o seu apelido?

— Guga. Nós até dançamos quadrilha juntos, lembra?

— Guga… Guga… dançou quadrilha comigo?

— Esse mesmo e graças a um rapaz que queria trocar de parceira, lembra? Ele estava interessado em uma outra garota, mas tirou você como par…

— Dessa parte eu lembro. Ele falou que o garoto que eu estava interessada queria dançar comigo, mas eu não me lembro da dança e nem do rosto do garoto. Sei que dancei, mas não me lembro de mais nada.

— É mesmo uma pena que você não se lembre. Depois de tanto tempo nos reencontramos e você não se lembra de mim. Pelo menos, estou feliz em saber que você é aquela Alice que dançou comigo aquela quadrilha. Lembro disso até hoje.

— Sempre lembro daquela época, mas não de todos os detalhes. Tenho a impressão de que foi uma época muito boa mesmo.

— Quem sabe mais tarde você se lembra. Tenho até umas fotos que tiramos juntos, quando vier aqui novamente eu te mostro. De qualquer maneira, foi bom ter te reencontrado, mas agora tenho que voltar ao CPD para verificar como está a compilação do programa, pois amanhã terei que começar a segunda parte da migração do sistema. Realmente foi muito bom revê-la. Nos falamos depois, está bem?

— Lamento mesmo por não conseguir me lembrar. 

— Sem problema! Tenha uma boa noite.

— Você também!

Quando Augusto saiu, Dona Lourdes veio sentar-se junto a ela.

— Alice querida, vi que você estava toda empolgada conversando com o rapaz do sistema, vocês já se conheciam?

— A senhora acredita que ele disse que me conhecia desde a adolescência?

— Como assim? Que mundo pequeno esse, não é?

— Nem eu acreditei. Quando ele veio falar comigo, me perguntou se eu era de Aishe e se tinha participado de um grupo de jovens que tinha lá. Eu não me recordava de ter conhecido alguém com aquele nome, sinceramente até agora estou tentando me lembrar, mas não consigo. 

— Ele deve ter ficado triste quando você disse que não se lembrava. E não se lembra de nada mesmo?

— É que aconteceram umas coisas e eu perdi parte da minha memória daquele tempo. Por isso não conseguia me lembrar dele.

— Realmente, às vezes a vida prega cada peça na gente, que coisa. Quem diria que você encontraria uma pessoa que te conhece desde os tempos da adolescência e ainda em uma cidade pequena como essa depois de tanto tempo?

— Nem nos meus sonhos mais loucos eu havia imaginado que algo assim poderia acontecer.

Conversaram por mais algum tempo até que decidiram se recolher.  Afinal de contas, o dia começaria cedo para elas.

No dia seguinte, Augusto começou a migrar os dados do antigo sistema para o novo. Por causa disso, a cafeteria teria que fechar mais cedo para que o sistema pudesse ser instalado. Depois de tudo instalado, haveria mais um período de adequação, onde aqueles que usavam diretamente o sistema, seriam treinados. Agora todo o controle de comandas seria eletrônico e todos os produtos teriam código de barras. Isso agilizaria os pedidos e o pagamento, pois bastava o cliente entregar o cartão de comanda ao caixa que o valor já estaria disponível em instantes sem a necessidade de ficar somando. Assim, aboliriam o uso das comandas de papel. 

Quando estava tudo pronto e testado, Augusto foi despedir-se de Alice, pois intencionava voltar para a capital ainda naquela noite. Alice, porém pediu que ele ficasse, pois gostaria de conversar com ele. Augusto estranhou à princípio, mas acabou cedendo. 

Depois do jantar, eles foram dar uma volta na orla, assim poderiam conversar tranquilamente e longe de olhos e ouvidos curiosos. Sentaram-se em um banco que ficava de frente ao mar. A noite estava muito agradável e uma brisa bem suave soprava naquele instante agitando os cabelos de Alice. 

— Sinto que estou em dívida com você, ela disse tristemente.

— Não é para tanto. Acho que faz muito tempo e por isso é natural as pessoas não se recordarem, no entanto, devo confessar que fiquei um tanto decepcionado, principalmente pela nossa história. 

— Realmente eu não me lembro de algumas coisas que aconteceram comigo naquela época. Eu sofri um acidente e perdi parte da minha memória.

— Acidente? Que acidente? Eu não fiquei sabendo de nada.

— Eu estava descendo a escada de casa quando meu salto quebrou, perdi o equilíbrio e rolei escada abaixo. Fiquei internada por meses inconsciente. Quando recobrei a consciência, já não me lembrava mais do que havia acontecido recentemente. Só muito lentamente que a minha memória foi voltando, mas de forma muito fragmentada e mesmo assim, não consegui lembrar de tudo. 

— Eu não fiquei sabendo de nada disso. Quando fui à sua casa não encontrei ninguém, estava fechada. Um tempo depois fiquei sabendo que se mudaram para a capital.

— Minha casa? Você sabia onde eu morava?

— Sim, eu sabia exatamente onde você morava.

— Sinto muito, mais uma vez. Eu realmente não me recordo de nada. Por causa do tratamento, fui mandada para a capital. Meus pais tiveram que vender a casa para poderem arcar com as despesas médicas. Por isso, passamos a morar na capital. Meu pai e minha mãe tiveram que arrumar emprego lá para poderem ficar perto de mim. Eu realmente não me lembrava de nada que tinha acontecido antes, nem me lembrava que eu tinha caído da escada. 

— Agora as coisas começaram a ficar mais claras. Você deve ter sofrido muito nesse tempo, não é? 

— Embora eu tenha me acostumado, há como se fosse uma sombra pairando sobre a minha mente que me impede de lembrar. Isso me deixa muito frustrada. Eu gostaria de me lembrar, mas não posso. Sinto como se algo importante estivesse faltando, só que não sei o que é.

Durante a volta para o Resort, continuaram conversando e relembrando daquela época. Algumas coisas, ela não se recordava, de outras, confundia-se com os fatos. Quando chegaram, eram esperados por Dona Lourdes e Sr Lourenço que vieram para despedir-se e agradecer pelo excelente trabalho.

 Augusto pegou suas coisas e colocou-as no porta malas. Despediu-se deles prometendo voltar na semana seguinte para ver como estava o sistema. Partiu deixando uma parte de si ali.

Enquanto seguia de volta à capital, ia pensando em tudo o que ouviu. Aquele amor por tanto tempo adormecido, que tinha sido o responsável por ele até ali não ter conseguido entregar-se de todo o coração às suas relações, voltou com força como se ainda estivesse vivendo naquele tempo. Teve certeza de que nunca a odiara de fato, mas amara-a profundamente e por todo esse tempo. Vê-la novamente só o fez ter certeza disso. Mesmo tendo passado tanto tempo, teria o direito de continuar amando-a? Ela já deve ter até se casado e quem sabe até tinha filhos. Se fosse isso, o que faria com todo esse amor que sentia? Pensar nisso o deixou amargurado.

 

Memórias capítulo IV

 O NOVO ATENDENTE







No dia seguinte, no horário marcado, Álisson já estava em frente à cafeteria aguardando para iniciar seu turno. Alice chegou pouco depois, logo em seguida, começaram os preparativos para mais um dia de trabalho. À primeira vista pareceu a Alice que o rapaz era bem empenhado, cumpria com esmero suas funções. Depois de tudo pronto, Alice colocou a placa de aberto e começaram a chegar os primeiros clientes da manhã. 

Ela confirmou suas suspeitas de que Álisson chamaria muita atenção principalmente das mulheres que frequentavam a cafeteria. Elas não tiravam os olhos dele e sempre o estavam chamando para pedir mais alguma coisa. Em contrapartida, os homens também não tiravam os olhos de Alice. De fato, uma dupla de sucesso. Como esperado, a clientela aumentou novamente. Aquelas moças que vieram no dia anterior, voltaram trazendo mais colegas. Álisson nunca tinha sido tão assediado em toda a sua vida. 

Enquanto ele estava limpando uma das mesas, quatro moças chegaram. Alguns instantes depois fizeram um sinal para que ele fosse atendê-las.

— Bom dia, o que vão querer hoje?

— Eu quero um capuccino e um pão de queijo.

— Eu vou querer um café com leite e também um pão de queijo.

— Já para mim, um café com leite e um pão na chapa.

— Eu vou querer um café puro e um pão na chapa.

— Um momento e eu já trago os seus pedidos.

Álisson anotou os pedidos na comanda e entregou-a à Aninha para que fizesse o preparo. Enquanto atendia outro grupo de pessoas, as quatro moças ficaram conversando e de vez em quando lançando olhares para ele.

— É um gato, né.

— Viu como estava cheiroso?

— E como.

— De perto ele é mais bonito ainda.

Enquanto isso, na outra mesa, rolava uma conversa um pouco diferente.

— A gerente da cafeteria é linda.

— Sou mais o atendente.

— Esse daí não tem nada de mais, mas a gerente, que mulher bonita.

— Já pensou se eles fossem casados? Como não seriam os filhos deles? 

Aninha chamou Álisson para entregar-lhe os pedidos da mesa quatro, aquela em que estavam as moças. Álisson levou os pedidos até a mesa delas.

— Aqui estão os seus pedidos, bom apetite.

— Muito obrigada, todas responderam, abrindo largos sorrisos.

Álisson deu uma piscadinha para elas e isso as deixou totalmente derretidas. 

Enquanto isso na fila do caixa, Alice recebia os pagamentos.

— Olá Sr Alberto, débito ou crédito.

— Débito.

— Aqui está, digite a senha por favor, obrigada e tenha um bom dia.

— Pode me passar sua comanda por favor?

— Aqui está o valor, débito ou crédito?

— Débito.

— Obrigada, tenha um bom dia.

— Olá Alice, tá bem movimentado por aqui esses dias,não?

— É verdade, não dá nem tempo de tomar água direito. A dona Fernanda está melhor?

— Sim, tomou os remédios e já está recuperada. 

— Mande lembranças a ela.

— Aqui está o seu troco, até mais.

— Até, bom trabalho.

Na cozinha não era diferente, a chapa estava com todas as bocas ligadas e João já estava todo suado por causa da temperatura e da correria. 

— João mais dois pães na chapa, um misto quente, dois queijos quentes e três baurus.

— Aninha avisa pra Alice que o pão está acabando e também vou precisar de mais queijo.

— Alice, o João pediu pra mandar mais pão e queijo.

— Pode deixar, vou ligar agora mesmo para o Sr Firmino para que ele me traga mais.

— Aninha, tem salgados suficientes?

— Para hoje sim, mas se vier mais gente do que o de costume vai faltar.

— Ok, vou pedir mais ao Sr Adelson.

Dez minutos depois, o Sr Firmino chegava com os pães e o queijo.

— Bom dia Alice, já acabou todo aquele pão?

— Sim, o movimento está bombando hoje.

— Que maravilha, realmente está bem cheio aqui.

— Aqui está o pagamento, muito obrigada por me atender tão rápido.

— O que um velho como eu não faz por uma moça tão bonita como você, minha cara, disse isso dando uma piscadinha para Alice.

— Sempre galanteador, não é? O que será que a Dona Marta vai achar disso?

— Nem brinque, serei um velho morto e deu risada.

Alice levava numa boa as brincadeiras do Sr Firmino, pois ele brincava assim com todos. Até Álisson foi alvo das brincadeiras dele. A primeira vez que o Sr Firmino o viu foi logo dizendo, rapaz, seu eu fosse mais novo ia te pedir em namoro, eita cabra bonito e deu risada. Álisson não sabia onde enfiar a cara, pois os clientes que ouviram também caíram na risada. Por fim, Alice disse a ele que o Sr Firmino era uma pessoa muito brincalhona e que ele não devia levar a sério o que ele dizia. A partir daí, toda vez que o Sr Firmino via o Álisson, chamava-o de chuchu fazendo graça para o provocar.

A correria continuava na cafeteria. 

— Aninha, pedido das mesas sete, oito e cinco.

— Ok, só um instante. 

— João, mais dois queijos quentes. Ah, tá acabando o pão de queijo, coloca mais um pouco pra assar.

— Aqui estão os pães na chapa que você pediu.

— Álisson, os pedidos das mesas dois, três e onze estão prontos.

— Obrigado, pode deixar que eu já levo.

— Aqui estão os seus pedidos, bom apetite.

Já estava se aproximando a hora do almoço e Alice ligou para Dona Lourdes mandar alguém para ajudá-los, pois pressentia que o movimento naquele dia seria grande. Dez minutos depois a própria Dona Lourdes chegou para ajudá-los. Ela se espantou com a quantidade de pessoas que estavam na cafeteria.

Começou o almoço e a correria dobrou. Aninha foi ajudar Álisson a servir as mesas e Alice passou a atender ao balcão, Dona Lourdes atendia ao caixa e ajudava ao João na cozinha.

— João, dois sanduíches de peito de peru com ricota, dois pães franceses recheados.

— Alice, dois sucos de laranja, um de maracujá e mais dois de abacaxi com menta.

— Aninha aqui está o pedido da mesa três.

— Álisson, esse suco é para a mesa cinco. 

— Dona Lourdes, vem atender o caixa.

— Um minuto, por favor, que ela já vem. 

— Aqui está o seu troco, tenha uma boa tarde.

— João mais dois sanduíches de frango e um de tofu.

— Aqui está o seu comprovante, tenha uma boa tarde.

— Alice, mais dois pedaços de torta, por favor. 

— Aqui, Álisson, dois refrigerantes e dois pedaços de torta para a mesa nove.

— Alice, três pedaços de pudim.

— Estão saindo.

— Tres fatias de pudim para a mesa doze.

A correria foi assim até às três da tarde. Quando o expediente acabou, todos estavam cansados. A cafeteria nunca tinha vendido tanto. Alice conversou com Dona Lourdes sobre a possibilidade de contratarem duas pessoas para trabalharem meio período, já que a partir das quatro da tarde, o movimento era mais ameno. Uma para auxiliar João na cozinha e outra para atender às mesas.

Dona Lourdes concordou de pronto, mesmo porque não poderia vir ajudar todos os dias por causa do Resort. Também não tinha pessoal disponível que pudesse ceder nos horários de pico.

Uma nova placa foi colocada e mais um processo seletivo começou. Dois dias depois, Alice começou as entrevistas depois das quatro da tarde, eram tantos candidatos que às oito da noite ainda não havia terminado de entrevistar todos eles. Levou mais três dias de entrevistas até que todos os que tinham sido pré-selecionados foram finalmente entrevistados.

Por fim, em reunião com Dona Lourdes, decidiu-se. Contratou um rapaz que já tinha trabalhado em uma padaria para ajudar o João na cozinha e uma moça para atender às mesas junto com Álisson.

Ele, magro, lá pelos seus 22 anos, estatura mediana, olhos pretos, cabelos pretos ondulados, pele morena clara, nariz mediano, sobrancelhas também medianas, olhos castanhos escuros, seu nome Gabriel. Ela, magra, lá pelos seus 20 anos, estatura mediana, cabelos lisos, curtos e pretos à altura dos ombros, olhos castanhos, sobrancelhas bem torneadas, lábios finos, seu nome, Isabela.  

Agora a equipe estava completa. Uma semana depois, os dois novos funcionários estavam bem adaptados ao ritmo de trabalho da cafeteria. Alice acertou em cheio quando previu que o movimento seria intenso a partir daquele momento. Se Dona Lourdes não tivesse contratado os dois novos funcionários, eles teriam comprometido a qualidade do atendimento do qual ela tanto se orgulhava.

— Sejam bem vindos, o que vão pedir hoje?

— João mais dois queijos quentes, por favor.

— Saindo o suco de melancia e o de abacaxi.

— Aqui está o seu troco, obrigada, volte sempre!

— Saindo o pedido das mesas sete e nove.

— O que vão pedir hoje?

— Dois  lanches naturais e dois sucos de acerola.

— Débito ou crédito?

— Aqui está o seu pedido, bom apetite.

— Isabela, aqui estão os pedidos das mesas três, oito e dois.

— O que vão pedir hoje?

— Saindo dois lanches naturais para a mesa doze!

— Gabriel, corte aqueles tomates que já estão lavados e prepare duas saladas completas!

— Débito ou crédito?

— Aqui está a sua comanda.

— Mais dois lanches naturais para a mesa cinco!

— João, vamos precisar de mais salgados daqui a pouco! 

— Dois sucos de abacaxi para a mesa sete!

— Seu troco, obrigada e tenha um bom dia.

— Débito ou crédito?

— Dois sucos de morango para a mesa doze!

— Aqui está o seu pedido, bom apetite.

E assim os dias iam passando, algumas vezes bem tranquilos outros na maior correria. Não demorou muito para que Gabriel e Isabela estivessem totalmente adaptados ao ritmo da cafeteria.

Um certo dia logo de manhã, entrou um cliente que fez com que Alice tivesse a impressão de o conhecer. O homem estava trajando terno e portava uma maleta, daquelas que carregam documentos. Sentou-se a um canto e fez sinal ao atendente. 

— Pois não,em que posso servi-lo?

— Bom dia, eu quero um café puro e um pedaço de torta, por favor.

— Um momento que eu já trago.

Foi até o balcão e passou o pedido para a Aninha.

Quando o pedido estava pronto, Alice fez questão de levar ao cliente. Álisson estranhou aquilo, pois não era usual que ela servisse às mesas.

— Aqui está o seu pedido.

— Muito obrigado.

— Posso te fazer uma pergunta, um tanto pessoal?

— Claro, fique à vontade, o que gostaria de saber?

— Por acaso você já morou em Aishe?

— Sim, já morei sim. Ficou tão evidente assim? Ele perguntou em tom de brincadeira.

— Ah, não, não é isso! É que eu conheci uma pessoa lá que se parece muito com você.

— É mesmo? Que coincidência, não é? E onde vocês se conheceram? Pode ser que eu o conheça, disse.

— Ele se chama William, e chegou a ser meu par por um momento em uma quadrilha na comunidade de jovens que havia na igreja matriz da cidade.

— Realmente esse mundo é muito pequeno! Eu me chamo William e também dancei quadrilha quando era adolescente na igreja matriz da cidade. Como você se chama?

— Alice! Lembra-se de mim?

— Claro, você é a garota que seria o meu par naquele dia, mas nós acabamos trocando de pares, não foi?

— Sim, realmente sou eu mesma, incrível encontrar com alguém de lá assim tão casualmente, disse isso e sorriu.

— Eu a vi algumas vezes junto com o garoto com quem você fez par na comunidade de jovens.

— Sinceramente, eu não me recordo de algumas coisas daquela época porque faz um bom tempo já. E você, está só de passagem?

— Estou indo a um congresso de Literatura em Ville e parei aqui para tomar um café e esticar as pernas um pouco.

— Que bacana, então você seguiu a área da docência?

— Sim, no entanto, agora sou reitor da Universidade federal de Isla. E você? Faz tempo que trabalha aqui?

— Não muito, mudei-me para cá e estou amando o lugar.

— Realmente, pelo pouco que vi parece ser um lugar muito bom para se morar. Quem sabe, um dia passo por aqui novamente para curtir a praia, ele disse olhando para o lado de fora da cafeteria.

— Sei que vai gostar muito, a areia é bem fofinha e clara, e a água é bem cristalina. O melhor lugar para descansar.

Alice deixou o cliente terminar seu café e foi atender um cliente que estava no balcão. Enquanto ela estava lá, depois de terminar seu café, William dirigiu-se ao caixa para pagar sua conta.

— Foi muito bom reencontrá-la depois de tanto tempo, mas  preciso seguir viagem. O café daqui é muito bom, parabéns!

— Também gostei de revê-lo, desejo-lhe sucesso em seu congresso. 

William pagou sua despesa e partiu depois de se despedir dela.

— Quem era aquele? Dona Lourdes que estava chegando perguntou a Alice.

— Um conhecido da cidade de onde eu passei os melhores anos da minha vida, disse isso com uma sensação boa de saudade.