PROBLEMA
Na segunda-feira, todos os engenheiros e o pessoal da gerência foram convocados para uma reunião de planejamento que ocorreria logo após o almoço. Tratariam do problema apontado pelo pessoal do controle de qualidade onde duas trincas foram detectadas em um dos pilares de sustentação.
Todos estavam reunidos quando Bernardo chegou. Seus dois amigos olharam para ele e fizeram gestos como se estivessem bebendo algo e sorriram. Ele meneou a cabeça e sentou-se mais atrás ficando longe dos galhofeiros. Prometera a si mesmo que nunca mais, fosse a provocação que fosse, beberia outra vez.
Assim que Eloá entrou, suas amigas fizeram gestos imitando alguém que está com ressaca e sorriram divertindo-se com a careta que ela fez. Ela foi sentar-se na outra ponta, longe de suas duas amigas. Quando os olhares de Bernardo e Eloá se cruzaram, fecharam a cara e viraram para o outro lado, deixando claro a insatisfação de terem se visto.
Alguns minutos depois, o Sr. Arthur entrou na sala e dirigiu-se até o púlpito.
— Bom dia a todos! Como sabem esta reunião tem por finalidade traçar um plano estratégico para resolvermos o problema da viga que apresentou duas rachaduras. Teremos que revisar todos os cálculos e verificar se é um problema de projeto ou se é de material. Teremos que parar a construção até que tenhamos solucionado o problema. Isso poderá comprometer o prazo, e portanto, ficaremos com o nosso cronograma mais apertado, talvez a ponto de necessitarmos dobrar o efetivo e abrirmos um terceiro turno de trabalho.
Ao final da reunião, as equipes de trabalho foram divididas e as funções delegadas, assim que todos foram dispensados, Bernardo pediu para conversar com o Sr. Arthur.
— Pois não, o que gostaria de falar comigo… Bernardo, não é?
— Sim, isso mesmo. Bom, eu estava revisando o projeto elétrico e encontrei um erro que se não for logo corrigido, teremos sérios problemas, inclusive a possibilidade de um incêndio.
— O que você está dizendo? O Sr. Arthur levantou-se de sobressalto, como se tivesse visto um fantasma.
— Que se não resolvermos o problema do projeto elétrico, há um sério risco de incêndio.
— Impossível! Quem idealizou esse projeto elétrico foi o melhor engenheiro elétrico que já trabalhou comigo. Acredito que você deva ter se equivocado.
— Sr. Arthur, lamento, mas eu não me equivoquei. Antes de trazer essa informação até o senhor, eu revisei exaustivamente todos os dados e não há dúvidas, o projeto está comprometido.
Nesse momento, o Sr. Arthur deixou-se cair novamente na cadeira e ficou desolado.
— Só me faltava essa! Já não me bastava o problema com a estrutura e agora com o projeto elétrico. Desgraça pouca é bobagem, ele disse meneando a cabeça.
Depois de alguns segundos, recobrou o ânimo, mandou a secretária chamar Eloá imediatamente.
— Bem, e o que você me sugere para que resolvamos esse problema?
— Eu refiz os cálculos, mas precisaremos trocar os cabos de alta tensão e o transformador. A demanda energética é muito maior do que a que está prevista no atual projeto. Eu já refiz uma parte, mas depende do aval do senhor para que eu possa continuar.
— E de quanto tempo você precisa para terminar o novo projeto?
— Se eu começar ainda hoje, três dias.
— Três dias? Impossível! Esse projeto demorou quase três semanas para ser concluído e você quer entregá-lo em três dias?
— Eu só preciso de três dias! Afirmou orgulhoso.
— Veja bem rapaz, você é novo aqui, certo?
— Sim senhor.
— Tem certeza disso? Se não der, você não me deixará outra alternativa, se não despedí-lo. Tem certeza de que quer manter esse prazo? No entanto, saiba que se você conseguir, terá carta branca para fazer o que for preciso, inclusive para montar a equipe técnica.
— Eu não vou decepcioná-lo, pode confiar.
— Assim eu espero!
Enquanto se passava esse diálogo, Eloá chegou novamente à sala de reunião, junto da secretária que foi chamá-la.
— Eloá, temos um outro problema.
— Mais um? Nem bem conseguimos resolver um e já apareceu outro? Disse isso e repentinamente fixou o olhar em Bernardo. — O que foi que esse sujeito aprontou? Disse isso fuzilando-o com o olhar.
— Na verdade, foi ele quem percebeu a falha no projeto elétrico e veio avisar-me. Pediu três dias para concluir o novo projeto.
— Tá maluco? É impossível!
— Pois é, foi o que eu disse, mas ele insiste que consegue. Eu propus que se ele não conseguir será demitido. Mas, pensando melhor, será transferido, isso porque estou considerando o fato dele ter descoberto a falha no projeto, no entanto, se conseguir, terá carta branca para tocar o projeto e montar a equipe chamando os profissionais que quiser.
— Duvido que consiga! Ela disse com um sorriso de satisfação.
— Quer fazer uma aposta? Ele disse todo confiante.
— Que tipo de aposta? Ela perguntou.
— Se eu conseguir, você vai ter que trabalhar como minha secretária nesse projeto.
— Mas, e se você não conseguir?
— Você pode decidir para onde eu irei, ou se preferir, pode me demitir.
— Aposta aceita. Vou deixar sua carta de demissão preparada em minha mesa, pois sei que você não tem competência para isso.
— Espere e verá! Ele afirmou, encarando-a.
Quando Bernardo saiu da sala, pai e filha ainda conversavam.
— Pai, dá para confiar nesse cara? Eu não confio e nem gosto dele. Sujeitinho irritante!
— Eloá, Eloá, você ainda tem muito que aprender. É justamente esse tipo de atitude que eu procurava, alguém disposto a sacrificar-se pelo que acredita. Você não se lembra que eu era assim também?
— Mas o senhor era diferente, responsável, confiável e esforçado.
— E quem garante que esse rapaz não seja tudo isso? Você já o conhece tão bem para poder afirmar que ele não é assim? O pai perguntou olhando-a nos olhos.
— Nã… não, eu só o vi umas quatro vezes e mais nada.
— Então, vamos esperar pra ver o que acontece, ok? Se ele não der conta, você mesma ouviu a proposta dele e eu deixo que você decida sobre o que vai acontecer com ele, está bem? Mas, lembre-se, se ele conseguir, você terá que atender ao pedido dele. Só não se esqueça que nossa família não volta atrás no que diz.
Essas palavras encheram o coração de Eloá de alegria. Estava tão convicta de que ele fracassaria que nem pensou mais na aposta que fizera. Teria a sua vingança, e era só isso o que importava. Ele não perderia por esperar. Primeiramente o humilharia e depois o botaria pra fora de seu canteiro de obras, se possível, aos pontapés. Essa ideia deixou-a de tão bom humor que nem se irritou quando o viu mais duas vezes naquele dia.
Bernardo saiu da sala de reunião mais motivado do que nunca. Cumpriria o prazo, mesmo porque, já sabia exatamente o que precisava fazer. quando recebesse o aval para montar sua equipe, daria início à sua vingança contra aquela patricinha mimada que o fizera passar vários contratempos e lhe amargara os últimos dias. Essa possibilidade deixou-o bem humorado a ponto de nem fazer careta quando a viu duas outras vezes durante aquele dia.
Ao terceiro dia, Eloá estava sentada à sua mesa. Olhou para o relógio com uma certa satisfação. Faltavam cinco minutos para às 18h e o prazo se esgotava.
Bernardo parou um instante diante da escada do setor administrativo, olhou o relógio, faltavam cinco minutos para finalizar o prazo, respirou fundo e subiu-as.
Agora faltavam três minutos, batida na porta, som de maçaneta girando, porta rangendo, era Bernardo que entrava na sala. Eloá encarou-o e recebeu por parte dele o mesmo olhar.
— Finalmente! Veio admitir sua derrota? Não precisa esperar mais, pode ir pegando sua carta de demissão sobre a mesa.
— Mais devagar aí, minha senhora. Acha mesmo que eu te daria o prazer de me chutar daqui pra fora? Aqui está o projeto todo refeito inclusive com as novas plantas. Disse isso e entregou a ela um documento encadernado de umas quatrocentas páginas.
Eloá recebeu o documento um tanto contrariada. Começou a folheá-lo. Estava tudo certo. Seu pai se encarregaria de verificá-lo mais atentamente depois.
— Aparentemente está tudo certo, admitiu a contra gosto. Assim que meu pai o analisar, ele vai mandar te chamar.
Assim que Bernardo saiu da sala, estava tão radiante que até vibrou dando socos ao ar. A partir de agora, ela se arrependeria de o chamar de magrelo fracote.
Eloá não engoliu aquela cara de satisfação que aquele cara estava fazendo quando lhe entregou o projeto pronto. Estava azeda, tinha nutrido a esperança de o colocar para fora da obra, mas agora teria de continuar se esbarrando com aquele magrelo fracote. Não suportava a ideia de ter que aturar aquele sorrisinho cínico que ele começou a dar depois que entregou-lhe o projeto concluído.
Dois dias depois, Bernardo foi chamado à sala do Sr Arthur.
— Realmente, fiquei impressionado, meu rapaz. Você não só concluiu o projeto dentro do prazo que estipulou como deixou-o muito melhor.
— Só fiz o meu trabalho!
— Sem falsa modéstia, meu rapaz, o chefe disse dando tapinhas nas costas de Bernardo. — Sei que você se esforçou muito para chegar até aqui e com certeza, tem planos para o seu futuro. Então, vamos ao que interessa! A partir de amanhã, você já pode montar a sua equipe. Como prometido você terá carta branca para a execução e implementação das mudanças necessárias. Você se reportará diretamente a mim. E eu o estou nomeando gerente geral.
Quando Eloá soube que aquele cara havia se tornado gerente geral, cargo esse também ocupado por ela, morreu de raiva. Agora é que não haveria mais limite para toda aquela presunção. Antevia muito desgosto a partir dali, a ponto de pensar em largar tudo e voltar para casa.
Bernardo voltou ao seu escritório, agora com a nova função, mudar-se-ia para a ala da gerência. Sentia-se bem por ter sido reconhecido. Agora, era necessário trabalhar com mais afinco e dedicação para que seu projeto corresse sem nenhum tipo de dificuldade. Na manhã seguinte, entregou uma lista de nomes que queria que fizesse parte de sua equipe ao Rh. Teria uma secretária exclusiva para si e sua equipe técnica seria ampliada.
Quando recebeu o comunicado, jogou a caneca com a qual estava tomando seu café na parede. — Eu jamais me sujeitarei a isso, não vai ficar assim! Assim que o acesso de fúria passou, foi até à sala de seu pai, nem bateu à porta e já foi logo entrando.
— Como o senhor permitiu que isso acontecesse? Eu não acredito nisso!
— Acalme-se, não há nada que possa ser feito. Dei minha palavra e ela deve ser cumprida, e além do mais, você aceitou a aposta, não foi?
— Sim! Mas, mesmo assim, não pensei que ele levaria isso até o fim. Por que o senhor não o proibiu de fazer isso?
— Veja por outro ângulo, ele mostrou ser um profissional extraordinário e de vasto saber. A solução que ele encontrou foi simplesmente brilhante. Acredito que você aprenderá muito com ele.
— O que me desagrada nessa história toda é que eu terei que ficar subordinada a ele, é isso o que me irrita. Eu odeio ele.
— O que foi que ele fez de tão ruim assim para você o odiar tanto?
— Não sou só eu, ele também me odeia e tenho certeza de que está usando isso para me atingir.
— Veja, vocês dois são adultos e devem achar um meio de resolverem suas diferenças. Releve isso, afinal de contas é para o bem de nosso sonho.
Eloá deixou o escritório de seu pai pisando duro, sentindo ferver seu sangue. Quando ia descendo a escada, encontrou-se com Bernardo que estava subindo-a. Parou desafiadoramente em frente a ele, seus olhos soltavam faíscas.
— Gostou da surpresinha que eu te preparei? Ele disse com ar triunfal.
— Não pense você que eu vou me dobrar aos seus caprichos! Se esperava isso está muito enganado!
— Eu te disse que ganharia essa, não disse?
— Você pode ter ganhado a batalha, mas não a guerra! disse isso, deu um encontrão nele com o ombro esquerdo empurrando-o para o canto da escada e continuou a descida.
Que mulher violenta, ele pensou. Que cara mais fraco, ela pensou.
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