FAMÍLIA
O fatídico dia da viagem chegou. E com ele, uma profunda ansiedade se abateu sobre Alice. Foi até à rodoviária para tomar o ônibus que a levaria até à capital Isla onde corria a papelada do divórcio. Alice e seus pais, depois do acidente, mudaram-se para a periferia da capital onde eles passaram a morar por causa do tratamento que Alice fazia no hospital. Foi enquanto morava ali que conheceu seu ex-marido. Logo depois do casamento, eles foram morar no centro da cidade em um dos bairros nobres de lá por causa, principalmente, do trabalho dele.
Apesar da situação que a levava de volta àquele lugar não ser das melhores, poderia rever seus pais e irmãos, pois fazia muito tempo que não os via, apenas se falavam por videoconferência. Umas seis horas depois, estava descendo na rodoviária. Lá seu irmão Roberto a estava aguardando. Depois de se cumprimentarem calorosamente, seguiram de carro até à casa de seus pais.
Era uma casa térrea grande e antiga como algumas outras casas daquele bairro. Tinha três quartos, uma sala bem grande, uma cozinha espaçosa e um quintal com alguns pés de frutas, o que trouxe várias boas recordações à memória de Alice de todo o tempo em que morou ali.
Os móveis eram de madeira maciça de estilo colonial, o que combinava perfeitamente com a arquitetura da casa. Todos a esperavam na sala. Quando entrou, foi aquela festa. Beijos, abraços e muita alegria.
— Quanto tempo você ficará conosco? Perguntou Dona Conceição, mãe de Alice.
— Vou ficar aqui até sábado. À noite volto para Amina. Tenho que trabalhar na segunda, respondeu.
— Coloque suas coisas no seu antigo quarto, está bem? Já o deixamos arrumado para o caso de você querer voltar a morar aqui, o Sr Jesualdo disse passando a mão na cabeça dela.
— Está com fome? Vou preparar alguma coisa para que você coma, ok? Disse Dona Conceição indo para a cozinha.
— Hum! Estou morrendo de fome! Alice disse esfregando as mãos.
— Então, enquanto você se lava e se troca eu preparo algo.
Alice levou suas coisas para o seu antigo quarto. Parou um momento na porta e olhou ao redor. Tudo estava exatamente do jeito que havia deixado antes de casar-se. Sentiu uma saudade imensa de um tempo em que vivia feliz e despreocupada.
Depois do banho, Alice foi até à cozinha. Sua mãe havia preparado o frango com quiabo que ela tanto amava. Sentaram-se para comer.
— Onde está o Valter?
— Vai vir amanhã. Hoje ele tem que trabalhar até tarde no restaurante.
— Poxa, tô com saudade dele. Achei que ele estaria aqui para me receber.
— Ele queria, mas a mulher do gerente deu à luz e ele teve que cobri-lo.
— E como está o negócio do divórcio? O pai dela perguntou.
— Vim justamente para isso e aproveitei para vê-los. Vamos ter uma audiência de conciliação. Depois, é só assinar os papéis e tudo estará terminado.
— Aquele crápula, se eu o encontrar novamente, ele verá com quantos paus se faz uma canoa! Asseverou.
— Deixa pra lá, pai. A vida se encarregará de dar-lhe o devido troco.
— Mudando de assunto, disse a mãe. Estou te achando mais corada. Até que o ar da praia tá te fazendo bem. Nem se compara com a última vez que te vimos. Ficamos preocupados. Parecia que você estava doente. Quase fomos te buscar na marra.
— Realmente mãe, aquele lugar tá me fazendo muito bem. Nunca pensei que iria gostar tanto de trabalhar em uma cafeteria, mas as pessoas lá são muito boas mesmo. A Dona Lourdes e o marido me tratam como uma filha.
— Você merece ser bem tratada, minha filha. Nunca se esqueça disso, está bem?
— Sim, mãe! Vou me lembrar disso!
Depois do jantar, Alice foi para o seu quarto. Era um quarto grande. Havia uma cama de solteiro, um guarda roupas de duas portas, uma escrivaninha, uma estante e uma sapateira. Seus livros, bonecas, retratos, tudo estava exatamente do mesmo jeito.
Abriu o guarda-roupas e começou a desfazer sua mala. Na gaveta de baixo, achou uma foto dos tempos de escola. Foi um tempo muito bom. Relembrou o grupo de jovens que frequentou, os bailes, a quadrilha e as festas. Ficou pensando naquele tempo enquanto guardava suas roupas. O que terá acontecido com o pessoal? Perdera o contato com eles depois que se mudou. Abriu uma gaveta e encontrou uma aliança. O que isso tá fazendo aqui? Achei que tinha devolvido, pensou.
Sentou-se na cama e começou a se recordar de quando havia conhecido o Jorge. Foi na faculdade durante o primeiro ano dela, eles cursavam direito. A primeira aula era sobre Filosofia do direito. A aula já estava para começar quando um jovem entrou e sentou-se ao lado dela. Não havia outro lugar disponível. Às vezes Alice o pegava olhando-a. Isso a deixava um pouco tímida. Terminada a aula, ele dirigiu-se a ela com a intenção de puxar conversa. Conversaram por alguns minutos logo após se apresentarem. Ele já estava no segundo ano, no entanto, tinha carregado uma DP e precisava cursá-la com a turma do primeiro ano. Tinha sofrido um acidente esquiando, o que o impediu de assistir às aulas durante um bimestre, por isso teria que refazer duas disciplinas.
Na aula seguinte de Filosofia do Direito, lá estava ele novamente sentado junto dela. A aproximação veio mesmo quando tiveram de fazer um trabalho que envolvia assistir a um julgamento e elaborar um relatório que seria apresentado posteriormente. Depois disso, tornaram-se amigos e todos os trabalhos em grupo dessa disciplina, lá estavam os dois juntos. Alguns meses depois, o resultado disso foi o início do namoro. Namoraram durante todo o tempo em que estavam estudando. Noivaram quando ela entrou para trabalhar no mesmo escritório de advocacia em que ele trabalhava. Casaram-se quando ele passou no concurso para juiz e ela tornou-se a principal advogada do escritório.
— Bom dia querida! Jorge disse dando um beijo na testa de Alice que acabara de levantar.
— Bom dia querido, ela disse e sorriu.
— Estou atrasado, não poderei te esperar. Tenho uma reunião logo cedo com um cliente. Você se importa de ir para o escritório sozinha?
— Não, tudo bem! Eu peço um táxi. Não se preocupe.
Ela sentia-se um pouco frustrada, pois um problema de saúde a impedia de ter filhos. Eram felizes, apesar disso. Cogitaram a possibilidade de adotar uma criança. No entanto, sempre havia um empecilho. Há época, ela se sentia triste, mas depois de tudo o que aconteceu, entendeu que foi melhor não ter adotado mesmo, pois a criança certamente seria a que mais sofreria com a separação.
Pensando no divórcio, um sentimento rancoroso invadiu-lhe a alma. Ressentia-se da situação em si. Não gostava de pensar nisso, pois nunca um bom sentimento advinha de tais recordações. Estava ainda pensando sobre essas coisas quando sua mãe veio ver se precisava de alguma coisa. Isso a trouxe de volta à realidade. No entanto, sentia o coração doer.
Na manhã seguinte, no horário marcado, ela estava em frente ao fórum aguardando sua colega advogada que a acompanharia quando um carro parou e duas pessoas desceram. Era o Jorge e a Valéria, vinham juntos. Provavelmente ela seria a advogada que o ajudaria na audiência conciliatória. Alice achou até irônico o fato de a amante participar da audiência de conciliação, onde o objetivo era reconciliar o casal. Como isso seria possível se a razão da separação estaria bem ali ao lado deles?
— Olá Alice, há quanto tempo não nos falamos? Disse Valéria olhando-a de cima a baixo.
— Por que eu falaria com você? Não há nada que se deva falar. Disse isso, encarando-a com um olhar de desprezo.
— Nossa Alice, como você está mais bonita, o que tem feito? Jorge disse isso com um certo olhar provocador.
— Isso não lhe diz mais respeito.
Nesse instante a colega de Alice chegou e as duas entraram no fórum deixando o casal para trás.
— O que eles queriam?
— Apenas me perturbar, só isso.
— Ela será a advogada que o acompanhará?
— Ao que tudo indica, sim.
— Não acredito nisso, é um canalha mesmo.
— Eu só quero que termine logo, disse enxugando uma lágrima.
— Vamos fazer de tudo para que isso seja rápido. Sem demora, certo?
— Certo.
Duas horas depois, as duas deixaram o fórum. Alice abriu mão de todos os direitos que tinha à divisão de bens. Não queria nada que tivesse a ver com aquele patife. Fez questão de devolver a aliança de noivado que havia encontrado na noite anterior. Estava de alma lavada, pois percebeu que seu ex estava esperando por uma disputa judicial, mas a decisão dela o fez ficar atônito e desconcertado. Quando ela disse que abria mão de tudo e que apenas queria assinar os papéis o mais rápido possível, percebeu claramente a expressão de confusão em seu rosto. Com isso, a assinatura do divórcio saiu no mesmo dia. Teria de voltar ao fórum, mas não precisaria encontrar-se novamente com essas pessoas tão desagradáveis.
Despediu-se da colega agradecendo a valiosa ajuda. Combinaram de se encontrar outro dia para almoçarem juntas. Deixou o local sentindo-se mais leve. Agora era vida nova. Aproveitou os dias que ficou ali para rever amigos, descansar bastante, passear, enfim, curtir sua vida de solteira.
Aquele restante de semana passou tão rápido e já chegara o momento de despedir-se da família mais uma vez. Alice arrumou novamente sua mala, beijou seus pais e irmãos e pegou o ônibus de volta à cidade onde morava. Chegou em casa às 20hs, ainda a tempo de pegar seu jantar no buffet. Dona Lourdes, assim que a viu, veio dar-lhe as boas vindas.
— Como foi lá, minha querida? Deu tudo certo?
— Sim, Dona Lourdes, agora eu sou oficialmente uma mulher solteira.
— Então que tal comemorarmos? Tenho um vinhozinho aqui que vai cair bem.
— Um vinho, nessas ocasiões, é sempre uma ótima pedida!
Dona Lourdes trouxe o vinho e duas taças, enquanto bebiam, conversavam animadamente. Aquela foi uma noite muito agradável. Após o jantar, despediram-se e Alice foi para seu quarto um pouco zonza por causa da comemoração. Tomou banho, trocou de roupa e deitou-se. Estava muito cansada. Dona Lourdes deu-lhe o dia seguinte de folga, poderia dormir até mais tarde. Aproveitaria o dia passeando. Pensava em fazer algumas coisas que até ali não tivera ânimo ou mesmo vontade de fazê-las.
No dia seguinte, levantou-se lá pelas sete horas. Ficou uns minutos ainda na cama, até que criou coragem para levantar-se. Aproveitou para lavar os cabelos e escová-los. Sentia-se livre. Agora era capaz de fazer qualquer coisa. Decidiu arrumar-se e ir ao centro para comprar produtos de beleza. Depois da separação, aquela era a primeira vez que sentia vontade de arrumar-se novamente.
Tomou café, foi à praia, ao Shopping, comprou roupas, sapatos e maquiagem. Almoçou por lá. E para finalizar, assistiu a um filme que estava em cartaz naquele dia, mais pelo prazer de fazê-lo do que pela vontade de ver o filme. Quando voltou para casa, já era lá pelas quatro horas da tarde.
Guardou suas compras e saiu novamente. Queria andar novamente pela orla da praia. A sensação de liberdade que sentia era indescritível. Que transformação ocorrera agora em relação à primeira vez em que esteve andando por esse mesmo lugar, parecia tratar-se de outra pessoa. Tudo, a seu ver, estava mais colorido e bonito.
Ainda havia momentos em que se pegava pensando em Jorge, porém era cada vez mais raro que chorasse por causa dele. De fato, Dona Lourdes estava certa, o tempo cura tudo, pensou. Hora e meia depois estava de volta ao Resort. Voltou para o seu quarto a fim de arrumar suas compras e só saiu de lá à hora do jantar.
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