HUMILHAÇÃO
A quarta feira chegou e com o retorno dos trabalhadores, o canteiro de obras ganhou vida novamente. Bernardo estava muito contente, havia conseguido “fisgar” a morena e isso por si só o enchia de orgulho. Ela era realmente muito bonita, talvez não tanto quanto Eloá… interrompeu o pensamento ali. No que estava pensando, que coisa mais desagradável, pensar naquela patricinha quando agora tinha a sua morena?!
Eloá entrou no setor e parou alguns instantes para observar ao redor. Já estava com saudades de toda aquela agitação. Pensava nisso quando viu Bernardo com cara de bobo olhando para o nada. Depois de fazer uma careta, meneou a cabeça e suspirou. Estava bom demais, pensou. Continuou seu caminho.
Quando Bernardo a viu, não pôde deixar passar a oportunidade de provocá-la de alguma forma.
— É aí patricinha, como foi sua folga? Brincou muito de princesa?
— Passei melhor do que você que não tinha para onde ir e teve que ficar aqui sozinho! Mas, nem adianta te falar nada do que fiz, você não tem cultura suficiente para entender.
— Muito pelo contrário, minha cara! Tive e muito o que fazer por aqui esses dias, e foram incríveis. E quanto ao resto, futilidades não me interessam!
Ficaram nessa discussão durante algum tempo, até que deu o horário da reunião estratégica. Já na sala de reunião, os dois aparentavam estar satisfeitos. Ele conseguira uma namorada, ela, a confissão de um dos mais cobiçados advogados do país. Mas sobre isso, gabariam-se depois. Agora era hora de retomar os trabalhos.
Mais tarde, depois da reunião, Bernardo estava analisando as plantas elétricas junto com os demais engenheiros quando viu Eloá passando com uma pilha de papéis nas mãos. Chamou-a. Ela veio a contragosto e parou de frente para eles.
— Por favor, traga-nos café! Disse isso sem olhar para ela.
Eloá soltou fogo pelos olhos, preparou-se para soltar um monte de desaforos, mas por causa dos demais, conteve-se.
— Só um momento que eu já trago.
Alguns momentos depois, ela estava de volta com o café para todos. Assim que Bernardo deu o primeiro gole, cuspiu fora.
— Que café horrível é esse?
— Ué? O café está normal, certo pessoal? Eles concordaram. Estava normal.
— Não está não, o gosto está horrível, parece que em vez de açúcar tem sal na xícara.
— Acho que é o seu paladar que está estragado. Vai saber o que você andou comendo esses dias. Todos deram risadinhas do comentário de Eloá.
— Prove e veja você mesma.
Ela simulou beber e disse:
— Ah, acho que me enganei e acabei colocando sal no seu café ao invés de açúcar, desculpe-me. Que cabeça a minha. e Saiu segurando uma gargalhada.
Mais tarde, Bernardo estava em sua sala, verificando outra planta, mas agora da estrutura. Seria necessário fazer um furo que não estava previsto. Queria a opinião de um engenheiro civil, mas no momento não havia ninguém por perto para que pudesse pedir uma opinião.
Eloá estava em sua mesa, conferindo uns documentos quando ouviu seu ramal tocar, era Bernardo pedindo que ela fosse até sua sala.
— Preciso de sua opinião.
Eloá estranhou aquilo, pois não era seu hábito consultá-la para coisa alguma, tratava-a apenas como uma secretária.
— Em que posso te ajudar? Ela perguntou de maneira afetada tentando ser gentil, mas na expectativa de que ele a sacanearia de alguma forma.
— Precisaremos fazer um furo na estrutura, e queria sua opinião de como seria possível fazer e onde causaria um menor impacto.
Bernardo trouxe a planta para a mesa de centro onde havia um jogo de sofá em volta, assim seria mais fácil para visualizar a ideia. Eloá sentou-se ao lado dele e começou a analisar as possibilidades.
Levantou-se, foi até sua mesa e pegou seu laptop. Sentou-se novamente, abriu o programa de engenharia e começou a conferir alguns dados da estrutura que estavam na planta e no sistema para evitar certas discrepâncias.
— Eu analisei todos os dados, e penso que o lugar que causará o menor impacto estrutural seria aqui, e apontou o lugar para Bernardo.
Bernardo chegou-se mais perto dela a fim de poder enxergar melhor o local em que ela estava apontando, pôde sentir o cheiro de seus cabelos, ver a sedosidade de sua pele e ouvir sua respiração. Eloá sentiu o calor que emanava do corpo dele, o cheiro de seu perfume, sentir sua respiração. O coração de ambos, por algum motivo até ali ignorado, começou a bater mais forte.
Afastaram-se quase que instintivamente, e ficaram um pouco embaraçados com a situação.
Eloá concentrou-se nos cálculos refazendo alguns deles para compensar o furo na estrutura. Bernardo conferiu os dados e os cálculos de diâmetro, profundidade, bitola dos fios, etc. Já estavam nesse processo há uma hora e meia e pelo jeito até conseguirem terminar, lhes custaria mais umas duas horas.
— O que acha de darmos uma pausa para o almoço? Bernardo perguntou.
— Boa ideia, já que pelo visto ainda teremos muito trabalho até calcularmos tudo. Eloá concordou.
Os dois deixaram as coisas sobre a mesa e seguiram para o refeitório. Bernardo como de costume, intencionava almoçar no refeitório comum. Para ele, a comida de lá era muito mais saborosa do que a que serviam no refeitório da administração. Talvez porque era mais temperada.
— Quer provar uma comida um pouco diferente? Ele perguntou-lhe de sopetão.
— Comida diferente?
— Sim, a comida que é servida para o pessoal da obra. Garanto que é melhor do que a que servem no ADM.
— Taí, vamos ver se é boa mesmo.
Essa atitude de Eloá surpreendeu Bernardo. Pensava que ela era cheia de frescura, mas agora começou a ter que rever seus conceitos.
O refeitório da “peãozada” como gostavam de chamá-lo era barulhento, alegre, vibrante e muito movimentado. Eloá gostou bastante. Quando os trabalhadores a viram, virou o centro das atenções. Todos os olhares se voltaram para ela e isso deixou Bernardo impressionado.
— Pegue a sua bandeja ali. Do lado estão os talheres. Ele informou-a.
— Ah, essa daqui?
— Isso, agora é só ir passando que eles vão colocando a quantidade que você quiser, mas veja, estão acostumados a colocar comida pra gente que come muito, então se você bobear, vão encher o seu prato, disse isso e sorriu.
— Não se preocupe, se isso acontecer eu sou boa de garfo.
E era mesmo. Novamente Bernardo ficou surpreso. Não era uma pessoa cheia de frescura, portou-se como uma deles e isso fez com que ela ganhasse o respeito de todos.
Sentou-se junto a Bernardo no meio do povão, adorou a conversa, a alegria, as anedotas e as companhias. Aquele ambiente era bem diferente dos que ela estava acostumada a frequentar, sempre tão cheios de formalismo, tensão, dissimulação e falsidade. Ali ela não precisava se preocupar com suas maneiras, não precisava ficar medindo as palavras e nem era testada a cada momento.
Depois do almoço, voltaram à sala de Bernardo para continuar com o que estavam fazendo.
— E aí, gostou da comida?
— Adorei. Bem temperada. saborosa. Muito diferente da que eles servem no refeitório do administrativo.
— Não falei! Depois que a provei, não quis mais saber de comer no outro refeitório. Ali não tem frescura e as pessoas te tratam sem falsidade. Se gostam, gostam, se não gostam já deixam isso muito claro.
— Pois é, fiquei preocupada com a maneira como me receberiram, mas era apenas preconceito meu. Foi um dos lugares onde fui melhor tratada. Já estou cansada de ser tratada como alguém fútil. Onde vou sou bem tratada, mas sei que é por causa do meu pai. Ninguém me enxerga de verdade, mas hoje isso mudou. As pessoas me viram como eu mesma e não como a filha do dono da construtora. Você tem ideia de como é difícil não poder ser você mesma?
— Eu não tinha a menor ideia disso. Deve ter sido difícil para você, não é? Eu quero me desculpar por ter sido preconceituoso todo esse tempo te chamando de patricinha sem de fato conhecer a sua história.
— Eu também quero me desculpar por ter te chamado de fracote.
— Então, que tal nos apresentarmos de novo?
— Acho uma boa ideia.
— Prazer, me chamo Bernardo.
— Prazer, me chamo Eloá.
Deram-se as mãos e a partir desse momento uma nova parceria se iniciou. Ao final da tarde, conseguiram concluir todo o trabalho. Estavam cansados, mas satisfeitos.
Depois daquele dia, Bernardo começou a consultar Eloá em todos os assuntos que exigia a competência de um engenheiro civil. Por sua parte, Eloá procurava ajudar Bernardo em tudo o que era possível. Algum tempo depois, começaram a comentar que os dois faziam uma bela dupla. No entanto, isso de certo modo desagradou o Sr. Arthur, pois ele tinha para Eloá outros planos.
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