quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Ponte entre rios capítulo VI

 APOSTA




Bernardo vagamente lembrava do que havia acontecido depois que começaram o desafio de beber Whisky. Eloá não se sentia diferente. Ele sentia-se mal, indisposto, enjoado, ela idem. Durante grande parte daquele dia, não saíram de seus alojamentos. Apenas no fim da tarde Bernardo sentiu-se animado para ir até a cidade, pois queria ver novamente aquela morena que lhe causara tão boa impressão. 

Depois de passar o dia todo sem condições de comer nada, Eloá estava morrendo de fome. Lembrou-se do bar-restaurante e da boa comida que serviam, resolveu que jantaria lá.

Assim que chegou à entrada, foi logo procurando pela morena. Estava decidido a saber o nome dela, se era comprometida, quais eram as suas preferências musicais, coisas do tipo. Sentia-se desafiado a conquistá-la.

O lugar não estava tão cheio como da última vez. Bernardo sentou-se a uma mesa de frente para o balcão com a intenção de ficar olhando para a morena. Quando o viu, a atendente veio para cumprimentá-lo. 

— Olá, seja bem vindo novamente.

— Olá! Antes de tudo queria pedir desculpas por ontem. Aquela mulher me tira do sério e acabo perdendo o controle. Não a suporto, eu apenas a tolero!

— A recíproca é verdadeira! Eloá que acabara de entrar no estabelecimento disse.

— Olá, moça das coincidências, a atendente disse sorrindo.

Eloá fechou a cara e foi sentar-se do outro lado e de costas para Bernardo. Não queria ter que ficar olhando para ele. Bernardo deu de ombros e continuou concentrado na morena.

— Realmente a comida daqui é muito boa, tanto é que estou aqui novamente.

— Eu disse que você iria gostar.

— Não só a comida é boa, mas também o atendimento é de primeira.

Ela apenas sorriu encabulada. Depois de anotar o pedido de Bernardo, foi até a mesa onde Eloá estava para anotar o pedido dela.

— Aqui está o cardápio.

— Queria te pedir desculpa por ontem. É que aquele cara me tira do sério. Eu não o suporto.

— Nossa! Até nisso vocês combinam, disse isso e sorriu.

Algum tempo depois a atendente veio trazer o pedido de Bernardo.

— Aqui está, bom apetite.

— Posso te fazer uma pergunta?

— Claro! Fique à vontade.

— Qual é o seu nome?

— Gorete.

— Que nome bonito, combina bem com você. Prazer, me chamo Bernardo.

— O prazer é meu, ela disse isso com um pequeno sorriso nos lábios.

Ela ficou um pouco envergonhada com o elogio, disfarçou e foi atender a outro cliente que acabara de entrar. Bernardo sentiu que estava no caminho certo. Alegrou-se. Nem a presença de Eloá estragaria seu bom humor.

Depois de terminar seu jantar, levantou-se, foi ao balcão a fim de pagar sua conta. No balcão estava o pai de Gorete, Sr alcino, um senhor de meia idade, baixo, pançudo, musculatura rígida, moreno, olhos pretos, cabelos encaracolados, sobrancelhas grossas, bigode e sempre estava de calça brim, camiseta branca e avental, além é claro de um chapéu de bico branco estilo aviador.

— Eu gostaria de agradecer ao senhor pelo táxi. Aqui está o dinheiro da corrida. E me desculpe pelo incômodo.

— O que é isso meu rapaz, já estou acostumado. Não se preocupe.

— Prometo que isso não se repetirá.

— Também já ouvi muito isso, e deu uma gargalhada.

— Bom, de toda forma, mais uma vez, obrigado. E despediu-se um tanto sem jeito.

Antes de sair, olhou para Gorete e deu uma piscadela, ela, timidamente, retribuiu com um sorriso. Ao voltar-se para sair, viu também Eloá. Encarou-a, e fez ar de despeito, saindo em seguida.

Eloá ainda estava sentada e viu o momento em que Bernardo virava-se para ela. Encarou-o com ar de desprezo enquanto ele saia. Terminou seu jantar logo em seguida. Levantou-se, foi ao caixa.

— Queria me desculpar por ontem. Ela disse meio envergonhada.

— O que é isso menina, estou acostumado. Na verdade, até me diverti bastante com a disputa e discussão de vocês.

— Aqui está o dinheiro do táxi.

— Não é necessário, o seu amigo já me devolveu o dinheiro.

Eloá saiu do estabelecimento furiosa, jamais se permitiria ficar em dívida com aquele cara. Enquanto andava pela rua principal, viu Bernardo parado em frente a um pequeno parque de diversões, daqueles itinerantes, que fora montado no dia anterior em um terreno vazio da prefeitura. 

As atrações do parque eram: uma roda gigante, um Twist, uma autopista, uma barraca de tiro ao alvo, dois carrosséis, um trenzinho, um tobogã, pula-pula e fliperama. Além é claro da tradicional barraca de cachorro quente, algodão doce, pipoca e outras bebidas. Tinha até alguns brinquedos eletrônicos como aqueles das Playlands dos Shoppings. 

Eloá aproximou-se de Bernardo e o provocou.

— Está indeciso se quer ir no pula-pula ou no carrossel?

— Nem uma coisa, nem outra. Por quê? Você quer ir e está com vergonha?

— Não sou eu que não tem coragem! Ela disse em um tom provocador.

— Até parece, acho que você nunca andou em nenhum brinquedo desse na sua vida. Quem não tem coragem aqui é você!

— Duvida!

— Duvido!

— Então, vamos apostar!

— Só se for agora!

Apostaram o valor da corrida do dia anterior. Começaram com o tiro ao alvo. Bernardo se deu melhor, mas foi por um ponto. Ainda por cima ganhou um bichinho de pelúcia. Escolheu o mais feio e entregou-o a Eloá.

— Um ponto. Ele disse triunfante.

— Foi pura sorte. Ela disse.

Foram para a autopista e ganharia quem batesse mais vezes no oponente. Eloá ganhou de lavada, pois era bem habilidosa ao volante. Como punição, Bernardo teve que comer um algodão doce monstro, mesmo odiando aquilo. 

— Agora empatamos, ela disse.

— Vai ter revanche!

Decidiram fazer uma disputa de pebolim. Nessa, Bernardo ganhou disparado. Obrigou Eloá a comer um churrasco grego todo. Ela quase pôs os bofes pra fora, mas não deu o braço a torcer. 

— Estou na frente novamente!

— Não cante vitória antes do tempo!

Já na barraca de lançar argolas, Bernardo não teve nem chance. Por isso foi obrigado a também comer três churrascos gregos Ficou empanturrado. 

— Empatamos novamente, logo, logo eu viro o jogo!

— Vai sonhando!

Decidiram desempatar o jogo no Twist. Quem saísse inteiro, venceria a competição e ganharia o dinheiro da corrida do táxi. Foi um fiasco. Os dois estavam de barriga cheia da janta e das coisas que comeram como penalidade nos desafios. Quando tudo acabou, saíram com os estômagos embrulhando e vomitaram até não poderem mais. Por fim, quando chegaram ao canteiro de obras, estavam amarelos.



    

 

 

NAMORADA




Como a folga se estenderia até terça-feira, o pai de Eloá mandou um jatinho para buscá-la na segunda de manhã cedo. Uma família de amigos viria para o jantar e havia um interesse em um possível relacionamento entre ela e o filho desses amigos. O pai do rapaz era dono de uma importante empresa de transporte que prestava serviço para o governo.

Eloá não sabia dos planos de seu pai, por isso, foi sem protestar, afinal de contas, era apenas um jantar entre amigos.

Bernardo estava ainda sentindo os reflexos da noite anterior. Decidiu ir à cidade para comprar algum remédio para enjoo. Como era bem cedo, não poderia ver “sua morena”, ele pensava. Teria de voltar mais tarde. Aproveitaria para almoçar no restaurante onde ela trabalhava.

— Bom dia!

— Bom dia, eu quero um remédio para enjoo e queimação no estômago.

— Só um momento.

— Eu tenho esses dois aqui, qual o senhor prefere? 

— Pode ser esse mesmo.

— Perfeito. Esse daqui o senhor deve tomar antes do jantar. E esse outro, basta tomar quando sentir a queimação, mas é importante que se persistir por mais de cinco dias, o senhor procure um médico, ok?

— Entendi. Obrigado.

— É só passar no caixa, aqui está a cestinha. 

Bernardo pagou seus remédios e saiu da farmácia com a mão no estômago, pois ainda sentia a queimação. Deu de frente com Gorete. Sentiu-se com sorte.

— Bom dia!

— Bom dia!

— Tá tudo bem? 

— Na verdade, não muito, tô com uma bruta queimação no estômago. Por isso vim até à farmácia comprar remédio, disse isso e mostrou a sacolinha.

— Eu sei de um remédio caseiro que se você tomar o alívio é instantâneo. 

— É mesmo? 

— Sim, às vezes o meu pai exagera um pouco na fritura e fica com queimação, daí eu faço para ele e na hora ele melhora. 

— Poxa, se eu soubesse disso antes, não teria gastado com esses remédios.

— Vamos até em casa que eu faço um pouco para você, daí você vai ver como vai se sentir melhor.

— Não quero dar trabalho.

— Não vai ser trabalho nenhum.

Alguns minutos depois eles estavam entrando no restaurante. Por causa do horário, estava fechado. Ela o levou ao segundo andar onde ficava sua casa. Seu pai estava na sala de roupão, assistindo ao jornal matinal.

— Sente-se um pouco que eu já volto.

— Obrigado, Bernardo agradeceu meio sem jeito e sentou-se ao lado do Sr. Alcino.

— Pai, lembra do Bernardo?

— Ah, claro o rapaz do Whisky,né?

— Isso mesmo, Gorete confirmou dando uma risadinha. Eu vou fazer aquele remédio pro estômago. Ele tá com queimação, igual quando o senhor fica assim.

— Olha, esse remédio da Gorete funciona mesmo, viu? é tomar e passar.

Alguns minutos depois, Gorete veio trazendo uma xícara com uma espécie de chá dentro.

— Tem que tomar enquanto tá quente, assim faz efeito mais rápido, ela disse entregando-lhe a xícara.

— Muito obrigado, ele respondeu pegando a xícara, olhando-a meio sem jeito por causa da presença do pai dela.

Depois que terminou de beber, agradeceu devolvendo a xícara para Gorete que a recebeu com um sorriso.

Trinta minutos depois Eloá estava desembarcando no aeroporto onde um carro já a esperava. Mais vinte minutos e ela estava chegando na mansão da família. Estava com saudade. Abraçou sua mãe, brincou com seu cachorro, beijou seu pai. Ela era filha única, portanto, herdeira da família. 

Seu pai achava que ela deveria casar-se com alguém capaz de a ajudar na administração dos negócios quando ele não estivesse mais por aqui. Tinha de ser alguém bem educado e capaz. Alguém que tivesse uma boa carreira e formação. Com relação a isso, seus pais concordavam que tal lista de pretendentes era bem restrita. No entanto, entre as possibilidades havia um advogado, um médico e um empresário do ramo automotivo. Eloá sempre foi desejada por muitos, cortejada por poucos. 

Sob influência de seus pais, tornou-se extremamente exigente em relação a seus pretendentes, tanto assim que raramente namorou e todos os seus namoros tiveram pouca duração. 

O jantar preparado objetivava apresentar a Eloá o filho do empresário amigo da família, Fernando. Um sujeito já com seus trinta anos de idade, cabelos pretos ondulados em um corte militar, olhos verdes, nariz mediano, lábios finos, rosto quadrado, corpo atlético, um pouco mais alto que Eloá. Quem os viu juntos, jurou que faziam um par perfeito. Eloá até então apenas o vira uma ou duas vezes, não mais que isso.

Assim que chegou em casa, subiu ao seu quarto. Como estava com saudade de seu cantinho especial! O quarto era amplo, tinha uma cama grande ao centro, ao lado da cabeceira de madeira branca, dois pequenos móveis com três gavetas cada de mesma cor que a cabeceira. As paredes eram de um tom rosa bem claro, do lado esquerdo da cama ficava o banheiro com hidromassagem, na parede contrária à cama ficava a porta que dava acesso ao closet.  Na mesma parede estava uma penteadeira branca. Às costas da cabeceira ficava uma grande janela que dava vistas para a lateral da mansão. A porta de entrada ficava no canto da parede perto da penteadeira. Um grosso tapete rosa estava à frente da cama.

Ficou em seu quarto até à hora do jantar, estava com muita preguiça para fazer qualquer coisa. Se pudesse, não participaria; achava esse tipo de evento muito entediante. No entanto, não queria decepcionar seus pais.

Banhou-se, colocou o vestido que fora comprado para essa ocasião, maquiou-se, perfumou-se. Enquanto se olhava ao espelho pensou: Eu bem que queria ver a cara daquele fracote se me visse assim toda produzida! Ela estava usando um vestido longo de tule, decote em V sem mangas, bordado em paetê, na cor marsala. 

Na hora do jantar, desceu as escadas com toda a pompa que a ocasião exigia. Isso fez com que Fernando não tirasse os olhos dela um só segundo. Ele estava vestindo um terno slim azul-royal com dois botões, uma camisa branca de manga longa, gravata slim azul sapato e cinto pretos. Quando Eloá o viu, achou-o muito bonito, mas não fazia seu tipo. 

— Esta aqui é a minha filha Eloá! Eloá, este aqui é o Fernando. Ele é o filho do meu grande amigo.

— Prazer em conhecê-lo.

— O prazer é todo meu.

O jantar transcorreu dentro da normalidade e monotonia típicas dessas reuniões onde o sentimento não é convidado a participar. Quando tudo terminou, Eloá sentia-se esgotada. Estava entediada, por um momento sentiu falta da implicação e da irritação causada por estar perto de Bernardo. Estava louca?

Fernando saiu bem impressionado com a beleza e elegância de Eloá. Prometera visitá-la outra vez, o que ela aceitou por mera formalidade.

Quando chegou à saída do restaurante, Bernardo voltou-se para Gorete e agradeceu novamente pelo remédio.

— Mais uma vez, muito obrigado pelo remédio. Estou me sentindo muito bem mesmo. Foi como você disse, assim que tomei, já me senti melhor.

— Não precisa agradecer. Eu fico feliz que você tenha melhorado. Aqui está, nesta garrafa tem mais desse chá caso sinta algum desconforto. Sugiro que você coma algo bem leve hoje. Se quiser, pode vir aqui para o jantar que eu te sirvo um caldo bem leve e nutritivo, está bem.

— Eu não quero te incomodar, disse meio sem jeito. 

— Não será nenhum incômodo. 

— Bem, se é assim, eu aceito. Virei à noite para provar esse caldo.

Bernardo sorriu despedindo-se dela, que ficou olhando-o enquanto ele seguia pela calçada. Tinha uma sensação de que talvez ela sentisse algo por ele. Ela era o contrário de Eloá, pensou. 

O restante do dia, Bernardo passou entre o tédio e a ansiedade. Tédio porque sentia falta das implicações e discussões com Eloá e ansiedade por não ver a hora de ver “sua morena” novamente. 

A noite finalmente chegou. Bernardo não via a hora de ir ao bar-restaurante. Quando entrou, foi logo saudado pelo pai de Gorete.

— Como você está meu jovem, sente-se melhor?

— Foi como o senhor disse, assim que tomei o chá, já me senti renovado.

— Olá Bernardo, bem vindo! Gorete o recebeu com um largo sorriso.

— Vim tomar aquele caldo do qual você me falou.

— Sente-se e fique à vontade que eu já te trago.

— Muito obrigado.

Gorete deixou-o e foi à cozinha para buscar o caldo que já, de antemão, havia preparado. Uns minutos depois, estava de volta.

— Eu não vi o caldo no cardápio, é um prato novo?

— Ah, isso? É que não servimos caldo daqui, eu fiz especialmente para você.

— Assim fico lisonjeado. O cheiro está muito bom, parabéns.

Bernardo gostou muito do caldo. Realmente era como ela havia dito, leve e nutritivo. Depois que terminou de comer, chamou Gorete que veio imediatamente.

— Estava muito saboroso, parabéns!

— Que bom que você gostou. Fiquei receosa que você não fosse gostar.

— Que isso, estava fantástico. A propósito, você aceitaria dar uma volta comigo no parquinho que foi montado naquele terreno da prefeitura?

— Claro!

— Podemos ir amanhã? Pois é o meu último dia de folga e depois vai demorar para conseguir outro.

— Se for depois das quatro da tarde, eu posso ir.

— Perfeito, combinado então?

— Combinado! Vou ficar esperando, faz muito tempo que eu não vou ao parque.

— Tenho certeza que você vai gostar. Quanto eu devo pelo caldo?

— É cortesia da casa, ela disse e piscou para ele.

Bernardo saiu do restaurante muito animado. Mal conseguia ver a hora em que a encontraria novamente. Quando chegou no alojamento, estava tão empolgado que não conseguia dormir. Desde a primeira vez que a viu sentiu-se atraído por ela.

No dia seguinte, levantou-se cedo para uma corrida. Fazia tempo que não se exercitava e achou que aquela era uma boa maneira de ajudar a gastar o tempo. 

Estava entediada, nunca havia imaginado que se cansaria daquela vida de ócio que estava levando. Seu pai, a pedido seu, havia, há alguns anos atrás, construído uma pista de corrida nos fundos da mansão. No começo, como era novidade, corria todos os dias, mas depois, enjoou e nunca mais voltou a correr ali. Mas, dessa vez, estava disposta a encarar esse desafio.

Alternou caminhada com corrida. Seu treino durou cerca de uma hora e meia. Ao fim do treino estava suada, cansada, mas feliz. Quando voltou para casa, tomou um demorado banho e colocou uma roupa confortável. A vivência no canteiro de obras deixou-a menos exigente e apegada às coisas. Seus pais olhavam com espanto a mudança que ocorrera nela durante o tempo em que estava trabalhando na obra. Agora dava mais valor às pequenas felicidades que a vida lhe oferecia.

Saiu de seu quarto, desceu as escadas e foi à cozinha para tomar um pouco de suco. Essa atitude surpreendeu a cozinheira, pois ela sempre que queria algo chamava-a ou a um dos empregados da casa. De fato havia mudado muito.

Ao passar pela sala, seu pai, que estava lendo seu jornal matinal, chamou-a.

— Hoje o Fernando virá almoçar conosco, trate de não marcar nenhum compromisso. Ele virá exclusivamente por sua causa.

— Mas pai, eu já tinha outros planos para hoje.

— Não faça desfeita, ele é um bom rapaz e está interessado em você, então, seja gentil com ele.

— Está bem.

Eloá sabia que não adiantaria protestar. O melhor era atender ao pedido de seu pai, que quando colocava algo na cabeça não havia quem o dissuadisse.

A ocasião pedia que ele se arrumasse com mais esmero. Tomou banho, barbeou-se, passou um gel no cabelo, perfumou-se, colocou uma roupa bacana, conferiu sua vestimenta no espelho e por fim, saiu.

Enquanto caminhava até ao estacionamento para pegar o carro, passou em frente ao alojamento de Eloá. Um pensamento lhe veio à mente: O que será que ela está fazendo agora? Tô ficando doido? Como posso pensar naquela desvairada que só me irrita? Espero que esteja tendo um dia difícil!

Diferentemente do jantar que tivera, esse almoço seria mais informal. Por isso, desta vez estava usando um macacão preto em malha de viscose com elastano, soltinho, com frente transpassada e mangas longas, com bolsos e elástico na cintura. Isso lhe deu um ar de casualidade, o que a ocasião exigia.

Fernando também estava vestido de forma casual. Calça jeans slim, camisa polo cinza, sapatênis marrom e cinto de mesma cor. Essa vestimenta valorizou-lhe a silhueta deixando-o mais atraente do que normalmente era. Fizera isso na esperança de impressionar Eloá. No entanto, quem ficou impressionado foi ele quando a viu entrando na sala de estar.

— Como vai Fernado?

— Vou bem e como você está?

— Estou bem também.

— Obrigado pelo convite.

— O que é isso, é um prazer tê-lo aqui conosco.

— Como vão indo as coisas no projeto que você está tocando?

— Estamos adiantados, por isso até tivemos uma folga. 

— Deve ser difícil trabalhar em um lugar tão inóspito não?

— No começo foi mais, no entanto, passados já quase um ano, estou bem acostumada.

— E tem previsão de quando a obra será concluída?

— O projeto inicial traz a previsão para dois anos. Começamos em março, então, faltam ainda um ano e dois meses, claro, se não houver nenhum contratempo. Mas, se estender por mais uns cinco a seis meses, estaremos dentro do cronograma, já havíamos previsto um possível atraso.

— Entendo. Fico pensando como deve ser comandar tudo aquilo, já que, pelo que seu pai me informou, esta é a sua primeira vez cuidando de um projeto tão grande.

— É… bem, lembrou-se de Bernardo,... realmente tenho passado por poucas e boas durante esse tempo, várias situações que me irritam. Às vezes penso em desistir de tão insuportável.

— E por que não deixa isso com o seu pai e volta à sede da empresa?

— Nem pensar, eu tenho que provar para ele que não sou uma patricinha mimada…

— Perdão? Patricinha? Mimada?

— Ah, bem… esqueça, não é nada de mais. Apenas algumas coisas com as quais tenho que lidar durante o dia a dia no trabalho, só isso.

Exatamente às dezesseis horas, Bernardo estava chegando ao restaurante. Gorete já o aguardava. Ela estava usando uma camisa de crepe branca com gola e manga longa, calça jeans, tênis azul marinho e uma pequena bolsa a tiracolo, os cabelos soltos e um perfume muito agradável.

— Olá, Bernardo. Você é bem pontual,não é?

— Não gosto de deixar as pessoas esperando, por isso, procuro chegar sempre na hora certa. Disse isso tentando disfarçar a ansiedade. 

— Vamos então?

— Vamos, espero que goste.

O Almoço transcorreu tranquilamente. Logo após o café, Fernando convidou Eloá para caminhar ao redor da propriedade e conversar um pouco. Eloá acabou aceitando, pois sentia-se um tanto enfadada naquele momento. Atribuiu seu tédio à monotonia de sua casa e à falta que sentia da agitação do canteiro de obras.

A tarde estava amena e uma brisa suave, vez ou outra agitava os cabelos de Eloá deixando no ar uma fragrância adocicada. Fernando sentia-se cada vez mais atraído por ela. Pediu que se sentassem por um momento em um banco de frente para um lago de onde era possível ver alguns cisnes nadando calmamente.

— Sei que nos conhecemos há pouco tempo, mas desde a primeira vez que eu a vi, apaixonei-me. Gostaria que pudéssemos nos conhecer melhor.

— Eu não sei, não tenho pensado em me relacionar com ninguém. Estou focada no trabalho e acho que um namoro vai me distrair do meu objetivo.

— Eu entendo perfeitamente, só queria que você soubesse como eu me sinto. Não precisa responder agora, leve o tempo que precisar, mas eu te peço que pense no assunto, está bem?

— Está bem, prometo que pensarei com carinho.

Quando chegaram ao parque itinerante, Gorete ficou encantada, pois por causa do trabalho no restaurante, tinha pouco ou quase nenhum tempo para se divertir. Levantava-se muito cedo e às vezes deitava-se tarde. Nos seus dias de folga, não tinha ânimo para fazer nada devido ao cansaço.

— Qual o brinquedo que você quer ir primeiro? Bernardo disse apontando ao redor.

— Brinquedo? Eu não me sinto mais uma criança, tenho vergonha.

— O que é isso? Liberte a criança que há em você, e sorriu para ela.

Gorete sentiu-se mais atraída ainda por aquele sorriso. Ele a segurou pela mão e a conduziu até o carrossel. Ela resistiu a princípio, mas depois entrou na brincadeira. Divertiram-se bastante, deram muitas gargalhadas, pareciam duas crianças felizes. 

Quando passou pela barraca do tiro ao alvo, lembrou-se da disputa que fizera com Eloá, chacoalhou a cabeça, como se um arrepio lhe tivesse subido pela espinha. Gorete notou aquilo e perguntou se ele estava bem. Ele afirmou que sim. que não era nada, apenas havia se lembrado de uma situação pela qual passara a um tempo atrás. 

Enquanto comiam algodão doce sentados em um banco observando os transeuntes, Bernardo sugeriu que fossem à roda gigante assim que terminassem de comer. Ela prontamente aceitou.

— Acredita que eu nunca andei na roda gigante?

— É mesmo? Eu já, mas faz muito tempo.

— Deve dar para ver a cidade toda lá de cima, né?

— Acho que sim. Vamos conferir então?

— Vamos!

Os dois levantaram-se e foram caminhando em direção à bilheteria para comprar o ingresso. A roda gigante desse parque era mais moderna, daquelas que são como cabines e que por isso são mais seguras. Em cada uma delas cabem quatro pessoas tranquilamente. Enquanto Gorete olhava encantada para aquele brinquedo gigante, Bernardo foi até o funcionário que comandava o brinquedo e pediu-lhe que parasse a cabine deles no ponto mais alto depois da terceira volta e deu-lhe um trocado como agradecimento antecipado. Quando chegou a vez deles de embarcar, tiveram a sorte de ter uma cabine exclusiva para eles.

— Nossa, dá para ver a cidade toda daqui de cima! Ela exclamou toda encantada.

— Realmente, lá fica o canteiro onde trabalho, ele afirmou apontando para uma determinada região.

— É mesmo, dá até pra ver uma pontinha da estrutura da ponte que vocês estão levantando.

Quando a roda gigante parou no ponto mais alto, Bernardo, que estava sentado à frente de Gorete, mudou de banco e sentou-se ao seu lado.

Ficou olhando-a fixamente. Gorete por sua vez retribuiu-lhe o olhar. Beijaram-se.

Ao final da tarde, Eloá já em seu quarto, repassava o que havia ocorrido durante o passeio. Fora pêga de surpresa com a declaração de Fernando. Não estava cogitando namorar ninguém naquele momento, mas sentiu-se balançada.


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