quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Ponte entre rios capítulo I

 A PONTE





Eles estavam certos de que dessa vez seriam os vencedores. Construir aquela ponte sempre foi o sonho mais ambicioso do Sr. Arthur. Agora, reunia todas as condições para isso. Há mais de dez anos estava se preparando para esse momento, pois sabia que a vitória os colocaria diante dos holofotes e traria um grande impulso aos negócios. Havia selecionado um corpo técnico competente e com vasta experiência. Tinha o recurso financeiro necessário para a construção, por isso, sentia que agora era o momento certo para realizar seu tão ambicionado projeto.

Na sala de reunião, onde aguardavam a chegada do resultado da licitação, pairava um misto de tensão e esperança. Os conselheiros e os diretores também estavam ali para receberem juntos o resultado da tão disputada licitação. 

Não foi sem grande esforço que eles alcançaram tal resultado. Tiveram que “molhar” a mão de muita gente e negociar com várias instâncias do poder. Quando finalmente o resultado chegou, comemoraram com grande efusividade. 

Depois da comemoração que fizeram, ficou decidido que a gerência do projeto ficaria a cargo do próprio Sr. Arthur, afinal de contas, esse era o sonho de sua vida desde que ele se formou engenheiro civil e abriu o seu próprio negócio. 

Eles teriam trinta dias para dar início à construção, por isso, havia muito o que preparar e organizar a fim de que tudo seguisse conforme o planejado e cumprissem todos os prazos.

No dia seguinte, ele marcou uma reunião com todos os envolvidos no projeto e distribuiu as tarefas e funções para cada departamento. 

— Senhores e senhoras, é com grande satisfação que hoje vos anuncio o início da concretização do meu maior sonho. Logo quando me formei na faculdade e comecei a trabalhar, desejei ardentemente construir aquela ponte. Tendo isso como objetivo, fundei esta construtora e trabalhei incansavelmente para que esse dia se tornasse realidade. Hoje, depois de dez longos anos de espera e muita luta, meu sonho começa a se realizar, o Sr. Arthur disse com uma certa emoção na voz.

Depois que a reunião terminou, começaram os preparativos para a construção. Havia um cronograma um tanto apertado. Se houvessem atrasos além daqueles que já estavam previstos, comprometeria o prazo de entrega da obra. 

Já em sua sala e um pouco mais calmo, o Sr. Arthur pediu que a secretária chamasse sua filha. 

Alguns minutos depois, ela estava adentrando à sala. Era uma jovem lá pelos seus 26 anos de idade, estatura mediana, loira, olhos amendoados e verdes, rosto triangular, cabelos na linha da cintura, sobrancelhas retas com pontas curvas, cílios grandes e naturais, lábios sedutores do tipo cupido, nariz fino e arrebitado, uma jovem de uma beleza estonteante, até parecia uma boneca, no entanto, de temperamento forte e decidido. Tinha todos os homens aos seus pés. Possuia a fama de ser inconquistável, por causa de seu coração gelado.

Ela seguiu os passos do pai e escolheu engenharia civil. Assim que se formou, veio trabalhar na construtora, entretanto, era vista pelos outros funcionários com um certo preconceito. Sempre tinha sua competência colocada à prova. Isso tornava sua vida um tanto mais amarga.

— Queria falar comigo, pai?

— Minha querida, Eloá, finalmente conseguimos! Meu sonho, finalmente se tornou realidade, disse isso e deu um caloroso abraço nela.

— O senhor não sabe o quão feliz eu estou por ver que o senhor conseguiu. Lembro de quando eu estava no ensino médio e o ouvia falar sobre o projeto da ponte com tanta paixão que acabei decidindo fazer engenharia para poder ajudá-lo nisso.

— Foi por isso mesmo que te chamei aqui. Quero que você trabalhe comigo nesse projeto. Você ficará no setor que cuidará da parte de estrutura elétrica, hidráulica e eletrônica da ponte. Eu ficarei responsável pela estrutura de concreto, os fundamentos e os acabamentos, ou seja toda a parte de alvenaria.

— Pai, o senhor tem certeza disso? O senhor sabe que os acionistas olham com desconfiança meu trabalho e capacidade. Sempre me veem como a filha do presidente e…

— Mais um motivo para você aceitar o desafio. É hora de você mostrar para eles de uma vez por todas o quão competente você é. Sei que você é capaz e uma das melhores profissionais que trabalham comigo. Você está aqui por mérito e não por ser minha filha. E algum dia você comandará tudo isso e é preciso que toda e qualquer desconfiança seja eliminada.

— Não sei, pai. Penso que será mais um problema que o senhor terá de lidar.

— Onde foi parar toda aquela determinação que fizeram com que você assumisse vários projetos aqui na empresa? Não estou te reconhecendo, minha filha!

— É porque estamos falando do seu grande sonho e eu não me sinto confiante o bastante para dar conta do que o senhor está me pedindo.

— Não se preocupe com isso, sei que você vai conseguir! Estarei junto com você, não duvide nem por um momento de sua capacidade e não permita que outros o façam, está bem?

— Está bem, pai, vou me lembrar disso!

Os preparativos continuaram por mais duas semanas. Contrataram vários profissionais da região para ajudar a economia local e diminuir os custos. Apenas enviariam profissionais das áreas em que não fosse possível encontrar na localidade. 

Na terceira semana, os alojamentos e toda a estrutura estavam prontos, bem como a área administrativa onde ficariam os engenheiros responsáveis pela obra.

Os alojamentos foram feitos de containers previamente preparados para funcionar como dormitórios enquanto a obra estivesse sendo feita. Cada um dos alojamentos tinha três beliches e armários para as roupas dos trabalhadores da obra. Assim eles poderiam permanecer no canteiro sem a necessidade de deslocamento. 

Levantaram um grande galpão para que fosse usado como refeitório. Ao todo, quinhentos trabalhadores, das mais variadas especialidades, estariam empenhados na obra. A ponte seria de viga e concreto e isso demandaria muitas fases em sua concepção. As etapas seriam: a fixação das estacas, sobre as estacas, o bloco, os pilares, vigas, longarinas de aço, a laje e por último o vão. Depois, toda a estrutura para comportar os cabos elétricos, fibras óticas, dutos de escoamento de água, os postes, os sistemas de iluminação, a cabine de controle, painéis informativos e sistemas eletrônicos de controle. Como última fase, asfaltamento, pintura da estrutura e sinalização.

O escritório era formado a partir de oito containers formando um quadrado, com dois andares. Quatro deles ficavam embaixo e quatro em cima, com uma escada lateral que dava acesso a uma sacada na parte superior. Assim haveria mais espaço para que os engenheiros pudessem trabalhar no manuseio de plantas e equipamentos. 

Depois de tudo preparado, os trabalhadores, máquinas e equipamentos começaram a chegar ao local. Aquele lugar, até então deserto, ganhou vida e um burburinho que era uma mistura de vozes, motores e marteladas, anunciava o início da obra.

A uns três quilômetros do acampamento, havia uma cidadezinha com uns doze mil moradores, na sua maioria trabalhadores rurais. Era uma daquelas típicas cidades onde havia apenas uma larga rua principal que cortava a cidade conectando-se à rodovia pelas suas duas extremidades. Havia uma praça central, uma igreja, um calçadão e diversas lojinhas, bem como dois mercados e apenas um banco. Toda aquela pacatice seria perturbada pela chegada dos trabalhadores com suas máquinas, pelo menos pelos próximos três anos, que seria o tempo estimado para a construção da ponte, essa seria a nova rotina do lugar. 

Depois que a ponte ficasse pronta, uma nova realidade se instalaria na região, pois ela interligaria duas províncias separadas por dois rios que correm paralelos, por uma boa parte do trecho, impedindo que qualquer travessia fosse possível. Para passar de um lado para o outro era necessário seguir por cerca de cinquenta quilômetros até a província seguinte, atravessar uma antiga ponte e retornar. Isso encarecia sobremaneira  o frete e os custos do escoamento de grãos. 

Com a inauguração da interligação entre as duas cidades, haveria uma economia significativa de combustível e tempo. No entanto, esse projeto era bem ambicioso, isso porque exigiria muita perícia técnica para a montagem de toda a estrutura de sustentação da ponte. 

Eloá apenas iria para o local da obra quando toda a parte de fundação estivesse pronta. Até lá, continuaria tocando o projeto de reforma de uma residência do qual estava encarregada.

Quando alguns dos acionistas ficaram sabendo que ela estaria envolvida na obra junto de seu pai, incomodaram-se com a notícia, pois duvidavam da capacidade dela. Acreditavam que o pai a mantinha na empresa apenas por uma questão familiar e não por mérito. Todas as vezes em que encabeçava um projeto, sempre era olhada com uma certa desconfiança. 

— Você ficou sabendo?

— Do quê?

— Que Eloá estará na obra de construção da ponte?

— Sim, fiquei sabendo e acho um disparate por parte do nosso presidente. Ela não tem capacidade e nem experiência para estar em um empreendimento tão grande como esse.

— Pois é, embora ela tenha sido muito competente em todos os trabalhos que fez, esse é um caso diferente.

— Ela parece mais uma boneca, você acha que vai ter pulso firme com a peãozada da obra? Uma coisa é você tocar uma obra com cinco pedreiros e outra coisa é querer comandar mais de quinhentos.

— Nós até tentamos argumentar com o presidente para que ele escolhesse alguém mais tarimbado, mas não teve jeito, ele foi irredutível.

— Verdade, tem o Clóvis que comandou aquela obra da construção do prédio na capital, lembra?

— Claro, aquele tinha pulso firme e a obra foi entregue no prazo. Não entendo porque ele não o escolheu.

Durante alguns dias, a conversa girou em torno da escolha de Eloá como gerente adjunta do projeto de construção. Depois, um novo assunto surgiu e o foco das atenções deixou de ser ela.

— A Eloá sofreu uma pressão danada, achei que ela iria desistir, mas não, manteve-se firme até o fim.

— Ela é bem persistente e não desiste tão fácil, quem a conhece sabe. Alice disse, colocando o cartucho de café na máquina.

— O problema é que esses burocratas do escritório não a conhecem como nós a conhecemos. Eu tenho certeza de que ela vai tirar de letra qualquer dificuldade que aparecer.  Joana afirmou dando um gole em seu café.

— Sobre o que vocês estão conversando? Aurora perguntou, enquanto colocava sua xícara na máquina de café.

— Estávamos comentando sobre a desconfiança que o povo tem da capacidade da Eloá.

— É coisa de quem não tem o que fazer. O Sr. Arthur é um homem muito justo, jamais ele manteria Eloá aqui se ela não fosse competente. Aurora argumentou.

Aurora era uma das mais antigas funcionárias que trabalhava na construtora, por isso, conhecia muito o presidente e sabia do que estava falando. Assim que terminaram seus cafés, voltaram aos seus setores. Tanto Joana quanto Alice foram designadas para trabalhar no acampamento durante a obra. Já Aurora, iria na fase final da construção. Elas estavam animadas, pois não era tão usual ficarem tanto tempo trabalhando em um mesmo projeto. Alice como arquivista não tinha tido nenhuma experiência de campo, já Joana e Aurora sempre estavam envolvidas em projetos em que invariavelmente envolvia visitas às construções.

— Justo agora que o serviço vai aumentar, o Francisco resolveu deixar a empresa, ele era o melhor engenheiro elétrico que nós tínhamos, Pedro afirmou. 

— O RH já iniciou um novo processo para a contratação de outro engenheiro. Fiquei sabendo que ele irá direto para a obra. A seleção está sendo muito rigorosa, poucos candidatos conseguiram passar para a segunda fase. Amanda que trabalhava no RH afirmou. 

— Imagino que não será nada fácil encontrar alguém tão bom quanto o Francisco. O cara era fera mesmo. Rafael afirmou.

Enquanto isso, os preparativos continuavam e mais máquinas, trabalhadores e materiais iam chegando ao acampamento. A data para o início da construção se aproximava rapidamente e uma excitação cada vez maior tomava conta de Eloá. Faria de tudo para provar que as desconfianças acerca dela eram infundadas. Sempre trabalhava com dedicação, mas agora havia uma motivação a mais, estaria trabalhando no sonho de seu pai. Essa era a razão que a fizera optar por seguir-lhe os passos.    


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