DIAS COMUNS
Era segunda-feira, Alice levantara-se bem cedo. Decidiu que iria correr na orla antes de trabalhar. Queria voltar a ter uma boa forma física. Depois da corrida, tomou banho, vestiu o uniforme e passou uma maquiagem bem leve. Prendeu o cabelo em um coque acima da cabeça, colocou a redinha de proteção e o boné. Desceu para tomar seu café.
Às 7hs em ponto estava abrindo a cafeteria já com tudo pronto para atender aos clientes. Era um lugar muito agradável com uma decoração de extremo bom gosto. O espaço era retangular com uma fileira de mesas com quatro cadeiras ao centro e duas fileiras de mesas nos cantos com duas cadeiras cada, perfazendo ao todo quinze mesas. Acima de cada mesa, estava uma luminária muito moderna com uma luz amarelada incidindo bem em cima de cada uma delas, o que dava um certo charme, principalmente à noite. No fundo, ficava o balcão, ao lado esquerdo, o corredor que dava acesso aos banheiros.
No balcão, estavam os dois expositores dos salgados e o caixa. Na parede lateral onde ele terminava, ficava a máquina de café expresso. Na parede de trás, o acesso à cozinha. Acima da porta, uma prateleira com diversos tipos de copos e ao lado outra prateleira onde estavam os pratos. Tanto o balcão quanto a parede do fundo eram revestidas com tijolinhos à vista em um tom marrom puxando um pouco para o avermelhado. Uma das paredes laterais, aquela em que ficava o acesso ao banheiro, era revestida com tijolinhos pintados na cor branca. A outra parede era revestida com uma pintura que simulava concreto. Cada mesa lateral desta parede tinha um espelho; o que dava uma percepção de maior espaço ao ambiente. Era realmente um lugar muito aconchegante. Todos os funcionários utilizavam um uniforme preto com um avental marrom e logo da cafeteria, touca de proteção e boné também com logo. Apenas o uniforme da gerente tinha as cores invertidas, ou seja, era marrom com avental preto.
Neste espaço, era possível pedir lanche, salgados, sucos e alguns pratos rápidos, mas o que tornava o local muito frequentado era a qualidade do café servido ali e a beleza exuberante de sua mais nova gerente. Havia um consenso entre todos de que ela parecia uma modelo, ou então, uma artista de Hollywood.
Alice não se importava com esses comentários, mesmo porque, pensava que se isso fosse verdade não teria sido trocada por uma qualquer. Quando alguém a elogiava, apenas sorria timidamente. Mantinha o pé no chão e não se deixava impressionar. Por causa da separação, tinha uma visão um tanto distorcida de si mesma, não se achava bonita. Pensava que aqueles que a elogiavam apenas estavam sendo gentis. Outro reflexo de sua separação era a dificuldade de se relacionar com os homens de maneira geral. Não conseguia conversar confortavelmente; sempre mantinha um pé atrás. Pensava mil coisas quando algum solteirão da cidade lhe oferecia flores ou lançava algum gracejo. Nesse momento, fechava a cara e fazia questão de deixar transparecer sua insatisfação, a ponto de o sujeito ficar encabulado.
Devido em parte, ao sucesso que Alice fazia com a clientela masculina, o lugar vivia cheio, a ponto de eles quase não darem conta de atender a todos, por causa disso, aquele dia foi muito corrido, Alice e sua equipe trabalharam incansavelmente. Passava das 18hs quando ela fechou a cafeteria. Embora estivesse cansada, estava feliz. Amava aquela atmosfera leve, cheia de odores e sabores. Gostava de ficar no balcão observando as pessoas conversando animadamente enquanto tomavam seus cafés, isso a enchia de coragem para continuar trabalhando.
Juntos de Alice na cafeteria trabalhavam: o João que era responsável pelo preparo dos pratos rápidos. Era um sujeito robusto, rosto redondo, cabelos crespos, pele escura, nariz chato, sobrancelhas grossas, olhos pretos, um típico caiçara como ele mesmo orgulhosamente gostava de falar. Era de uma família de pescadores, então sua maior habilidade era o preparo de pratos à base de peixe.
Também trabalhava lá uma moça, Ana Cristina, carinhosamente chamada de Aninha por todos. Trabalhava no balcão e era responsável pelo preparo das bebidas e também servia aos clientes nas mesas. Cabelos longos sempre presos em um coque no alto da cabeça ao estilo aeromoça, olhos castanhos, pele morena, nariz fino, rosto fino, sobrancelhas bem torneadas, estatura baixa. Era uma equipe bem treinada e que trabalhava de forma bem organizada. Dificilmente acontecia algum problema. Na maioria das vezes, tudo corria sem nenhum tipo de contratempo.
Os salgados eram fornecidos pelo Sr Adelson que tinha uma pequena fábrica de salgados e fazia questão de entregá-los pessoalmente. Era viúvo, um homem lá pelos seus 60 anos de idade, muito simpático, cabelos ruivos, olhos verdes, alto um pouco barrigudo, sobrancelhas grossas, cabelos encaracolados, barba estilo lenhador, usava óculos. Algumas pessoas comentavam que ele tinha uma certa queda por Alice. Ela o tratava bem e ele também era muito gentil. Nunca ninguém o viu com algum tipo de intimidade com ela ou fazendo qualquer tipo de gracejo. Apesar de sua aparência um tanto rústica, era um sujeito bastante sensível.
— Alice, minha cara, especialmente hoje os salgados estão fantásticos. Tenho certeza de que seus clientes nunca comeram tal iguaria, dizia isso abrindo um largo sorriso de satisfação.
— Ah, Sr Adelson, eu não esperaria menos do melhor salgadeiro da cidade, e arrisco dizer, do estado.
Aí o Sr Adelson abria um sorriso maior ainda. Como gostava de ouvir aquelas palavras, principalmente para ele que sofrera tanto enquanto era jovem. Fora muitas vezes desprezado, desvalorizado, passou muitas necessidades, foi humilhado outras tantas vezes. Começou a vender salgados para ajudar nas despesas da família, seus produtos fizeram um grande sucesso, tanto que abriu seu próprio negócio e vai muito bem.
Com o aumento da clientela, Alice teria que contratar um novo funcionário. Precisava de alguém urgentemente e que tivesse alguma experiência. Colocou uma placa na porta de vidro da cafeteria. Choveu interessados, mas nenhum com o perfil que ela estava procurando. Até que certo dia entrou um jovem e pediu para falar com o gerente do lugar.
— A gerente deu uma saidinha, mas daqui a pouco estará de volta. É só com ela?
— Sim, é sobre a vaga de atendente.
— Ah, então é melhor você esperar um pouco. Enquanto espera, gostaria de tomar algo?
— Um café, por favor.
Enquanto Aninha preparava o café, o jovem foi sentar-se à uma mesa perto do balcão. Ela ficou encantada com o rapaz que realmente era muito bonito. Quase derrubou a xícara, esqueceu de colocar o pó de café na máquina, ficou toda atrapalhada. Era um rapaz alto, lá pelos seus 26 anos, olhos azuis, cabelos ondulados e fios grossos, nariz proporcional, rosto quadrado de expressões marcantes, barba bem aparada, porte atlético, lábio grandes na medida exata para o tipo de rosto, aparentava ser muito vaidoso, estava bem vestido e bem perfumado, certamente tinha feito harmonização facial. Era o típico homem moderno metropolitano, embora morasse no interior.
Vinte minutos depois, Alice estava de volta.
— Alice, aquele rapaz lindo ali veio ver a vaga de emprego.
— Tem certeza? Não parece o tipo que trabalha em cafeteria.
— Bem, foi o que ele disse, que veio por causa da vaga.
— Tudo bem, vamos ver do que se trata.
Alice foi até onde o rapaz estava sentado e sentou-se à frente dele.
— Bom dia. Soube que você queria falar comigo?
— Dona Alice, prazer, meu nome é Álisson. Vim por causa da vaga de emprego.
— Prazer Álisson, mas pode me chamar de Alice. Quanto à vaga, você tem alguma experiência em lanchonete ou cafeteria?
— Aqui está o meu currículo. Fui barista durante dois anos na capital. Tive que voltar para o interior porque meu pai faleceu e minha mãe ficou sozinha, então vim para fazer companhia a ela.
— Você tem disponibilidade de horário?
— Sim, posso trabalhar em qualquer horário.
Enquanto Alice entrevistava o rapaz, umas moças chegaram para tomar um café. Ele virou o principal assunto delas, não paravam de observá-lo e cochichar umas com as outras. Alice notou o que estava acontecendo e pensou que essa seria uma oportunidade interessante de aumentar a clientela feminina do lugar.
— Você estaria disposto em fazer um teste de uma semana?
— Claro, quando posso começar?
— Amanhã mesmo se não houver problema. A princípio, você atenderá exclusivamente as mesas, depois eu te passarei as demais coisas que farão parte das suas funções.
— Perfeito. Agradeço imensamente a oportunidade.
— Então ficamos assim, o esperamos aqui amanhã às 6h30, está bem?
— Combinado. Mais uma vez, obrigado.
Álisson apertou a mão de Alice e saiu. Seu objetivo havia sido alcançado. Aninha seguiu-o com os olhos e ficou a se abanar com o avental debruçada no balcão. Alice também achou o rapaz muito bonito, mas tinha outros planos para toda aquela beleza. Tratou de providenciar um par de aventais para que ele os pudesse usar durante aquela semana.
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