IMPRESSÕES
Levantou-se logo cedo. A modesta quitinete, talvez um pouquinho maior do que um quarto de hotel, que alugara na periferia de Isla, ficava a cerca de uns dez quilômetros do lugar onde precisaria chegar. Teria de pegar um ônibus e um metrô até ao centro da cidade. Vestiu seu único terno comprado há uns dois anos para o casamento de seu primo.
Teria uma importante entrevista, por isso, não poderia se atrasar. Há muito que desejava trabalhar naquela empresa. Sonhava com o dia em que estaria envolvido em um grande projeto. Era para isso que havia se preparado e por isso estudara tanto. Ganhou bolsa de 100% na mais conceituada faculdade de engenharia da capital Isla.
Durante os cinco anos que passou ali, quase nenhum foi gasto com amenidades. Era sempre o melhor e mais dedicado aluno de sua turma e acabou se tornando o melhor de toda a faculdade.
Formou-se com louvor. Para tanto, sacrificou muitos finais de semana. Vinha de uma família muito humilde de trabalhadores rurais. Desejava retribuir a seus pais todo o cuidado e sacrifício que fizeram para que ele pudesse estudar. A formatura foi um momento de muita emoção para seus pais que tanto se empenharam tendo em vista esse momento tão importante. Ele era o primeiro de sua vasta família a conseguir um diploma de nível superior. Seu pai, muitas vezes dizia-lhe que era importante estudar para que ele não ficasse como eles, ignorantes, analfabetos e sem grandes perspectivas de futuro. Todo o sacrifício foi recompensado. Agora era vida nova.
Levantou-se muito cedo. A ansiedade batia forte não deixando-a ficar mais na cama. Hoje começaria a sua nova jornada no mais ambicioso projeto do qual faria parte. Teria de deixar por um bom tempo o conforto de seu lar para viver em um alojamento, mas decidira fazer esse sacrifício para provar a todos os que a criticavam que reunia as qualidades necessárias para chefiar tal empreendimento.
Seu quarto era bem espaçoso e sofisticadamente mobiliado. Banhou-se demoradamente, pois não sabia quando poderia desfrutar de sua banheira com hidromassagem novamente. Foi ao closet, mas não encontrou nenhuma roupa que combinasse com a ocasião, por fim, decidiu comprar roupas novas para usar na obra. As roupas que possuía eram finas e requintadas demais para esse tipo de trabalho. Tomou seu desjejum, pegou a bolsa, óculos escuros, chaves, saiu.
Chegou à empresa às sete da manhã. O expediente começava às oito e trinta. Já na entrada, viu algumas pessoas que aguardavam no saguão à espera do início da segunda rodada do processo de seleção. Tomou o elevador, pois o departamento em que trabalhava era no décimo terceiro andar.
Depois de ter percorrido uns dez quilômetros, e ter pegado duas conduções, Bernardo finalmente chegou ao prédio onde ocorreria a segunda fase do processo de admissão. Dirigiu-se à recepção, apresentou seu documento e foi orientado a aguardar no saguão até que os candidatos fossem chamados para subir até à sala de seleção no RH.
Alguns candidatos, resignados, já aguardavam pelo mesmo motivo, um total de dez. Encostou-se em um dos pilares, pois já não havia mais cadeiras disponíveis. Ficou pensando em tudo o que passou até chegar ali. Enquanto estava absorto em seus próprios pensamentos viu uma mulher chegar. Estava vestida elegantemente e aparentava uma certa extravagância, parecia ser alguém importante. Era muito bonita. Trajava uma saia social chumbo até a altura dos joelhos, uma camisa de seda com mangas longas e largas cinza clara, salto alto de uma tonalidade de cinza bem mais claro do que a da camisa, uma bolsa de mão da mesma cor que o sapato. Essa mulher, aos olhos de Bernardo, pareceu ser alguém muito cheia de si, daquelas figuras que não têm limites, tornando-se assim alguém de difícil convivência.
Chegou ao escritório e começou a organizar suas coisas. Ligou seu computador e consultou sua agenda. Por causa da obra, havia poucas coisas a serem resolvidas. Os projetos em que estava trabalhando foram passados para outros engenheiros a fim de que ela pudesse dedicar-se exclusivamente à obra de construção da ponte.
Sairia mais cedo a fim de comprar as roupas e arrumar suas malas. Seu pai havia mandado que preparassem um container duplo exclusivo para ela. Isso causou um certo burburinho entre os demais engenheiros que também estariam envolvidos com a obra. Pensavam que essa extravagância era uma exigência sua, mas estavam enganados. Ela nem sabia que seu pai havia tomado tal providência.
— Não sei o que essa patricinha vai cheirar na obra. Será que ela acha que vai sair de férias?
— Viu só a exigência que ela fez? Quer viver como uma madame no acampamento. O alojamento dela tem até hidromassagem.
— Só se garante porque é a filha do presidente, mas pode apostar que na primeira quebrada de unha, volta pra cá correndo.
— O pior de tudo é que o pai dela faz tudo o que ela quer. Vai saber o que ela vai exigir enquanto estivermos lá.
— Nem quero imaginar.
— Tomara que ela desista logo da ideia, assim teremos mais tranquilidade para trabalhar.
Depois de uma espera de mais de uma hora, os candidatos foram conduzidos até à sala de recrutamento para darem prosseguimento às entrevistas. Bernardo seria o sétimo, pois essa fase seria composta por duas etapas, uma prova teórica e uma avaliação prática.
Na prova teórica eles teriam que demonstrar seus conhecimentos sobre infraestrutura, sistemas de comando, iluminação, sinalização e programação de sistema de automação. Na prática, teriam que montar um projeto e executá-lo em uma maquete de uma ponte similar àquela onde o contratado trabalhará.
Já passava do meio dia quando Bernardo dirigiu-se ao elevador. Estava cansado e faminto. Quase não teve tempo para tomar sequer um cafezinho. Foi uma das provas mais longas e difíceis que ele havia feito. O resultado sairia dali a dois dias. Se aprovado, embarcaria imediatamente para o acampamento.
Meio dia e meia, Eloá pegou sua bolsa e seguiu para o elevador. Teria várias coisas a resolver ainda neste dia. Na manhã seguinte, embarcaria para o canteiro de obras já que a parte estrutural da ponte já estava sendo finalizada.
Finalmente o elevador chegou. Pareceu-lhe que estava há um século esperando. Não via a hora de sair dali logo, a fome apertava, estava de mau humor. Quando as portas se abriram, viu aquela mulher de antes dentro do elevador. Agora, ela pareceu-lhe mais antipática do que antes. Até o perfume que ela estava usando deixou-o irritado e enjoado.
— Boa tarde, ele disse, mais por educação do que pela vontade de ser simpático.
— Boa tarde, Eloá respondeu mecanicamente. Não estava com vontade de conversar. Tinha outras preocupações. Além do mais, sempre depois de um bom dia ou boa tarde, vinha uma conversa chata que claramente era só para cortejá-la.
— Por que as pessoas pensam que somos obrigados a suportar seus perfumes? Por que não escolhem fragrâncias mais discretas? Algumas pessoas pensam que são o centro do mundo. Bernardo resmungou em voz baixa, mais para si mesmo.
— Perdão!? Não tenho a intenção de conversar com o senhor, não estou interessada em sua cantada barata.
— E quem lhe disse que eu estava querendo cantá-la? A senhora acha que é o centro das atenções, não é? Mas está redondamente enganada, afirmou.
— Eu é que não daria trela para um sujeitinho como o senhor! Eloá disse já com um tom alterado de voz.
— Francamente, ter de ouvir isso de uma patricinha mimada que acha que pode tudo, é o fim! Pois fique sabendo que a senhora não me interessa nem um pouco.
— Patricinha? O senhor teve a petulância de me chamar de patricinha?
— E não é o que a senhora é? Uma patricinha?
— Escute aqui meu senhor, eu não aceito que qualquer fulaninho, sem nem me conhecer venha colocando rótulo em mim, ouviu!
— Fulaninho? E a senhora me conhece por acaso, para vir me chamando de fulaninho?
— Não conheço e não faço questão de conhecer!
— Eu digo o mesmo! Vejo que a senhora tem o dom de estragar o dia das pessoas, parabéns!
— Para o seu governo, quem estragou o meu dia foi o senhor! Até agora estava tudo ótimo!
A discussão continuou até que a porta se abriu no térreo e Bernardo deixou o elevador bufando de raiva. Eloá continuou no elevador até a garagem para pegar seu carro. Saiu do elevador pisando duro e ruminando desaforos.
— Quem essa dona pensa que é, ele disse a si mesmo enquanto caminhava em direção à saída.
— Sujeitinho mais intragável, eu patricinha? Insuportável! Espero nunca mais vê-lo. Ela falava de si para si.
Quando ia saindo do estacionamento pensado no episódio do elevador, quase atropelou um pedestre que passava pela frente da saída do estacionamento.
— Tá maluca? Comprou a carteira,foi?
— Vê se olha para onde anda! Tá no mundo da lua, sonhador?
Quando ela viu quem era, ficou com mais raiva ainda. Ele quase amassou seu carro com aquele corpo magrelo. No momento em que ele viu quem estava no carro, perdeu a paciência e disse-lhe vários impropérios, achou que ela fez de propósito. Estava furioso.
Ao entrar no restaurante, Bernardo estava ainda sentindo um ódio mortal daquela patricinha que se achava dona do mundo. Em contrapartida, ela detestou-o. Não suportaria olhar-lhe na cara. Odiou-o na mesma intensidade.
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